sexta-feira, 11 de julho de 2014

Castro Laboreiro em finais do século XIX

Castro Laboreiro na viragem para o século XX

Castro Laboreiro é terra de um clima extremo. Sente-se aí no Inverno um frio polar, e de Verão, um calor tropical. O padre Carvalho diz que o vinho chega ali a congelar naquela estação invernal.
O solo é sáfaro e desabrido. Nenhuns frutos produz mais do que centeio, nabos e batatas. Mas a providência, para compensar talvez os seus habitantes da falta de mais frutos, dotou-lhes estes com uma qualidade tão superlativa, que não sei se haverá melhores.
Abunda o gado vacum e lanígero. O primeiro de má qualidade, pela incúria dos seus habitantes em aperfeiçoar a raça mas o segundo goza de reputação do melhor de Portugal, o que decerto é devido às excelentes pastagens que aqui se criam no Verão.
A terra é absolutamente desprovida de árvores, se bem que o autor da Chorographia Portugueza (Carvalho) lhe dê alguns poucos e pequenos carvalhos, e pouco milho miúdo, coisas que nunca lá viram, a não ser que as levassem de fora, à excepção dos primeiros que alguns tem em raríssimos sítios, mas muito enfezados. Estes mesmos não passam de poucos palmos de altura. A árvore indigna é o piorno e a urze.
A freguesia é a mais extensa e dilatada em área que se conhece, pois até há pouco ela só formava um concelho, sendo depois anexada à comarca e concelho de Melgaço.
É cercada de elevadíssimas serras, que desde a sua base atá ao topo estão eriçadas de penhascos, de um aspeto rude e selvagem que se desenham nas nuvens com mil formas caprichosas e fantásticas.
É abundante a caça de todo o género. Criam-se aqui mastins de uma corpolência e vigor extraordinários. Qualquer um deles, é capaz de matar um lobo.
Há uma emigração espantosa pois desde que entra o mês de Setembro tudo o que é homem de idade de oito anos para cima, estando em circunstâncias de se arrastar, lá marcha para o Douro, Trás-os-Montes, Beira Alta e outras partes, não recolhendo senão na Páscoa, que é o termo fatal em que hão-de aparecer por força.
Fica a terra tão despovoada de homens, que os cadáveres são conduzidos para a igreja pelas mulheres, havendo antes disso, em casa dos doridos, grande comesana para todas as pessoas que quiserem aproveitarem-se dela, o que todos da melhor vontade fazem, e às vezes em número e muitas dezenas, mas que ninguém estranha por ser uso da terra.
Diante do cortejo (que é como vimos, conduzido por mulheres) segue uma comitiva delas, umas com broas de pão, outras com açafates de bacalhau e outras coisas, à cabeça, tudo para a igreja, e que lá é entregue ao pároco.
Quem encontrasse um costume destes e não conhecesse a tradição da terra, teria que se persuadir que esta pobre mas boa gente estava embebida na crença de alguns, que estão convencidos que os cadáveres comem debaixo da terra, recebendo por essa ocasião muitos presente.
Ao ofício da sepultura, assistem quantas pessoas aí estiverem de todas as idades e de ambos os sexos, cada qual com uma vela na mão, arrancando gemidos uns, soluços outros, mas todos manifestando uma dor e mágoa tão profundas que não se poderiam fingir.
A igreja é boa, para aquela terra. A chamada vila é uma pequena e pobre povoação, cujas casas, assim como as de toda a freguesia, são cobertas de colmo e se alguma tem telhas, ainda assim, não dispensam o colmo por baixo.
No trato, em geral, a gente ressente-se da dureza da terra, advertindo que é muito obsequiadora e hospitaleira para com os estranhos. Não obstante a inquestionável aspereza desta paragem selvática, têm saído daqui estudantes muito distintos, e que tem sido laureados em diversas faculdades, o que vem contrariar a opinião dos que dizem que as comidas delicadas e as terras mimosas concorrem para o talento.


Informações extraídas de: 
- PINHO LEAL, Augusto Soares A. B. (1874) - Portugal Antigo e Moderno (Volume II). Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, Lisboa.

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