Em Castro Laboreiro, noutros tempos
(Foto de data desconhecida)
Como em todas as sociedades de
tecnologia primitiva e onde o meio natural se apresentava muito pouco
diversificado quanto a materiais utilizáveis, também na antiga sociedade
castreja, qualquer das realizações materiais, levadas a cabo pelo homem, trazia
impressa a marca do ambiente em redor. O sentido de equilíbrio que o artesão
sempre realiza em toda a sua obra, permitiu também que aqui existisse uma adequação
formal da casa à natureza que a cercava. Por tanto, nas antigas construções de
Castro Laboreiro, estiveram presentes estas duas marcas naturais, que ao fim e
ao cabo se resumem numa só: a marca do equilíbrio entre a obra e a natureza.
Efectivamente, os únicos materiais
empregues na construção foram o granito arrancado ao chão e às rochas; a
madeira que crescia nas matas; a palha de centeio que o homem produzia e a urze
que espontaneamente se criava em profusão. Quanto à própria estrutura, não ia além
de um modelo simples de linha direita, de área estritamente necessária ao
abrigo da família, dos animais e da alfaia agrícola e ao armazenamento das
colheitas.
A casa era pois uma peça de tal maneira
integrada na paisagem, pela cor e pela forma, que cada um dos lugares, composto
de muitas dessas casas, quando visto de longe, configurava uma das
variadíssimas formações rochosas em que se capricha a natureza de Castro
Laboreiro. Ainda hoje este quadro é-nos sugerido pelos pequenos conjuntos de
habitações de tal tipo existentes em lugares outros que não a vila, embora já
destacados do meio natural por força do contraste que a este oferecem as novas
construções, que surgiram no seu interior ou à sua volta.
Curiosamente, e reportando-nos ainda a
esse tempo, a única marca imediatamente visível da acção do homem sobre a
natureza devia ser a que era formada pelas manchas coloridas dos barbeitos cultivados
sempre em zonas distantes da área habitada. Esses, sim, contrastavam pela
macieza dos seus verdes e pela geometria dos seus contornos, coma cor parda
cinzenta dos grandes e irregulares rochedos, erguidos à volta de Castro
Laboreiro.
Mas se a estrutura da casa se
harmonizava com a natureza e satisfazia por outro lado necessidades de abrigo,
não satisfazia de madeira eficaz as exigências de comodidade das pessoas que a
habitavam, embora tais exigências se reduzissem àquele mínimo determinado pelas
próprias condições em que decorria a sua existência.
Na verdade, ninguém em
Castro Laboreiro que tivesse experimentado o desconforto destas habitações, a
elas se refere sem ser em manifesto repúdio pelas condições de vida que a tal
obrigavam. Contudo, não se aceita o quadro desumanizado que nos foi deixado por
José Augusto Vieira, na sua obra «O Minho Pittoresco» (1886): «Anexo a este
interior, o que há de mais sórdido, de mais negro pelo fumo, e de mais
anti-higiénico, ficam as cortes para os gados». Vista assim, a casa mais nos
parece um «covil» para animais selvagens que propriamente um abrigo para os
homens. Com outros olhos a viu José Leite de Vasconcelos no seu artigo
«Excursão a Castro Laboreiro» (trabalho de campo em 1904), publicado na Revista
Lusitana, vol. XIX. Nela, o investigador faz um relato sem qualquer tipo de
animosidade e refere-se sobretudo ao interior da casa castreja nestes termos “ A cozinha consta de: lareira,
borralheira, especie de camara para recolher o borralho, coberta por uma lage
que se chama copeira ou pilheira; escanos, postos ao lado da lareira, para se
sentarem; almario, simples prateleira para louça; masseira; fumeiro ou
‘’caniço’’, pôsto superiormente á lareira, para ahi se enxugar a roupa; arcaz,
caixa para guardar os cereaes.
Os Crastejos servem-se,
mais ou menos, de pratos de madeira, tanto para comerem, como para conservarem
a comida. Eu vi d’estes pratos. Tambem se usam cuncas ‘’malgas’’ ou ‘’tigelas’’
da mesma substancia; d’antes todos comiam nellas, hoje porem só as crianças.
Consta-me que esta ‘’loiça’’ se fabrica na Galliza, e se exporta de lá para o
Alto-Minho. Ha colheres de madeira, que se chamam igualmente cuncas. A fórma
masculina cunco applica-se a uma gamella de pau para se bater a massa do pão
antes de ir para o forno.
Para iluminação das casas, os mais
pobres fazem uso de guiços, que são pedaços de urzes secas (gândaros), de
queirogas sêcas e de tojos secos, descascados do tempo, e que se accendem á
maneira de vela: sustentam-nos na mão, ou espetam-nos num buraco da parede; de
vez em quando esmoucam-nos, quebrando no chão a parte carbonizada, para os
reaccenderem. Com os guiços concorrem vantajosamente candeias de lata,
suspensas em seu velador, como é geral no Norte e Centro do país; outr’ora
havia-as de ferro e alimentavam-nas de sil ou banha de porco.
Terminarei aqui a parte
descritiva, mencionando a cama, palavra que significa propriamente ‘’leito de
madeira’’; assim se diz: ‘’o carpinteiro faz uma cama’’. A cama consta de um
caixão grande, com quatro banzos ou pernas, que terminam superiormente em
pirâmides. Os mais pobres ahi dormem sobre palha, envolvidos numa manta de burel
(sem enxergão ou lençoes); de travesseiro serve um farrapo. Num dos banzos da
cabeceira enrola-se o rosario em que rezam.”
Castro Laboreiro em 1915
Informações extraídas em:
- GERALDES, Alice (1979) - CASTRO
LABOREIRO E SOAJO. Habitação, Vestuário e Trabalho da Mulher. Serviço Nacional
de Parques, Reservas e Património Paisagístico. Lisboa.
-
VASCONCELOS, J. Leite de (1916) - Excursão a Castro Laboreiro in: Revista Lusitânia, Lisboa.
- VIEIRA, José Augusto
(1886) - O Minho Pittoresco, tomo I, edição da Livraria de
António Maria Pereira- Editor, Lisboa.
E viviam e eram felizes. Obrigada por esta bela recolha duma forma de viver tão simples e natural.
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