Fez no passado dia 9 de Abril, 99 anos da página mais negra da participação portuguesa na 1º Grande Guerra. Durante a Batalha de La Lys, a 9 de Abril de 1918, na Flandres Francesa, centenas de portugueses tombaram e milhares foram dados como desaparecidos em combate. De Melgaço, 4 morreram em combate mas outros 9 melgacenses desapareceram durante a batalha.
Inicialmente, estes homens
foram dados como “desaparecidos em combate” e esse facto foi comunicado às
famílias e aos jornais que publicavam listas de desaparecidos quase todos os
dias. Vários meses mais tarde, após o fim da guerra, em Novembro de 1918, a
Comissão dos Prisioneiros de Guerra, comunicou que muitos destes desaparecidos
figuravam nas listas de prisioneiros de guerra e se encontravam dispersos em
vários campos na Alemanha, pondo fim a meses de sofrimento dos soldados e das
suas famílias que os julgavam mortos. Chegaram-se a fazer funerais sem corpo
por este país fora.
Na realidade, estes melgacenses
foram todos capturados durante a Batalha e levados para campos de prisioneiros na Alemanha. Eram eles os soldados Mário Afonso,
de Santa Maria da Porta (Vila); António Fernandes, de Penso;
Abílio Alves de Araújo, natural de freguesia incógnita (Melgaço); Avelino
Fernandes, de Alvaredo; António José Rodrigues, de Paderne;
Inocêncio Augusto Carpinteiro, de S. Paio; Justino Pereira,
de Cubalhão; António dos Reis, da Rua Direita (Santa Maria da
Porta, Vila) e António Pires, de Roussas.
Um prisioneiro português conta-nos o caminho que fizeram desde a captura na Batalha de La Lys até ao campo de
prisioneiros. Na primeira noite, a noite de 9 para 10 de Abril, foi passada em
cenário de guerra. Ele conta que foram colocados num lamaçal cercados por uma
cerca de arame farpado. Diz que era como se guarda os animais no monte. Foram sentados todos lado a lado e aí foram
despojados dos seus bens. Tudo o que interessava aos soldados alemães era-lhes
retirado. E conta que eles de facto tentavam iludir os soldados, guardando os
objectos que mais valor tinham para eles, os seus relógios, os seus bens
pessoais, e depois trocavam esses bens por alimentos, tentavam corromper os
próprios soldados alemães.
Esta primeira noite é passada completamente ao relento. Estamos a falar de homens que há 24 horas que não comem nada e recebem a primeira refeição no caminho para a cidade francesa de Lille, no dia seguinte.
Esta primeira noite é passada completamente ao relento. Estamos a falar de homens que há 24 horas que não comem nada e recebem a primeira refeição no caminho para a cidade francesa de Lille, no dia seguinte.
Por essa altura, a
cidade de Lille estava já sob o domínio alemão desde o início da guerra e
portanto os próprios civis franceses eram eles próprios como que prisioneiros
dos alemães. Então, à chegada dos prisioneiros portugueses, os civis franceses
juntavam-se em multidões tentando encorajar os próprios soldados e
atirando-lhes pedaços de comida, que era o que eles aproveitavam para comer
nessas alturas. Obviamente que estas acções eram reprimidas pelos soldados
alemães.
Os soldados portugueses
passam a primeira noite num quartel em Lille, e depois seguem para a cidadela
de Lille, para uma fortaleza que servia como uma espécie de entreposto na
distribuição dos prisioneiros portugueses para os diferentes campos de
concentração alemães. Passam cerca de três dias em Lille e seguidamente recebem
ordem de marcha para o campo na Alemanha.
No caminho para a estação de comboio (eles viajaram de comboio), no caminho para essa estação, ele conta casos verdadeiramente comoventes dos seus compatriotas e dele próprio. Obviamente que tentavam furar as fileiras dos soldados alemães e nos campos agrícolas em volta tentavam retirar todos os alimentos, para assim conseguirem sobreviver.
No caminho para a estação de comboio (eles viajaram de comboio), no caminho para essa estação, ele conta casos verdadeiramente comoventes dos seus compatriotas e dele próprio. Obviamente que tentavam furar as fileiras dos soldados alemães e nos campos agrícolas em volta tentavam retirar todos os alimentos, para assim conseguirem sobreviver.
Mais tarde, apanham o
comboio com destino à Alemanha e viajam em carruagens sem o mínimo de
condições. Eram carruagens de transportar animais, portanto
sem o mínimo de condições de higiene e de segurança.
E então fazem o caminho longo de dois dias e duas noites, passando por Bruxelas até a
Alemanha. Na Bélgica eles não chegam a sair do comboio, ficam o tempo todo
dentro do comboio. São novamente incentivados pelos civis belgas e alimentados
por eles.
Quando entram na Alemanha, apercebem-se de que o seu destino ia mudar. Nota-se grande hostilidade por parte dos próprios civis alemães, agora em vez de os incentivarem, obviamente que os insultavam, em vez de lhes atirarem pão atiravam pedras à carruagem.
Então chegam ao campo de prisioneiros, que fica a norte da cidade de Colónia, um campo muito grande, com muitas infra-estruturas muito bem organizado, e que tinha inclusivamente até um jornal publicado pelos prisioneiros franceses.
Quando entram na Alemanha, apercebem-se de que o seu destino ia mudar. Nota-se grande hostilidade por parte dos próprios civis alemães, agora em vez de os incentivarem, obviamente que os insultavam, em vez de lhes atirarem pão atiravam pedras à carruagem.
Então chegam ao campo de prisioneiros, que fica a norte da cidade de Colónia, um campo muito grande, com muitas infra-estruturas muito bem organizado, e que tinha inclusivamente até um jornal publicado pelos prisioneiros franceses.
Aqui, eles eram
alimentados basicamente com uma alimentação à base de pão, água e de caldos com
ingredientes de origem muito duvidosa.
O que ele valoriza muito
é a acção dos franceses, em todos os campos onde ele esteve. Os franceses
partilhavam com os mais necessitados os bens alimentares e os bens de primeira
necessidade, principalmente com os portugueses, com os italianos, com os
russos, que eram os que viviam em piores condições.
Estes nove melgacenses foram espalhados pelos campos de prisioneiros de Dulmen, situado na região da Westefalia; Munster II,
situado na região da Renânia Norte - Westefália, a cerca de 40 Kms a norte da cidade de Dortmund; Friedrichsfeld, situado a cerca de 25 Kms a norte da cidade de Duisburgo, perto da fronteira com a Holanda; Senne, que fica próximo da cidade de Bielefeld, a cerca de 80 Kms da fronteira com a Holanda; Hameln, situado a cerca de 30 Kms a sudoeste da cidade de Hannover, a uma distância de cerca de 100 Kms da fronteira com a Holanda.
Em Novembro desse mesmo ano de 1918 chega o fim da guerra. Mais tarde, os prisioneiros são libertados. Nalguns casos, os campos são abandonados pelos próprios alemães deixando os prisioneiros à sua sorte. O regresso dos soldados portugueses é caótico. Não foi organizado pelas autoridades portuguesas um eficaz transporte destes milhares de soldados. Muitos deles viajam por conta própria até portos na Holanda ou então até Cherbourg, em França.
Felizmente, para estes nove prisioneiros de guerra melgacenses, regressaram todos vivos, tendo desembarcado em Lisboa entre Janeiro e Fevereiro de 1919.
Felizmente, para estes nove prisioneiros de guerra melgacenses, regressaram todos vivos, tendo desembarcado em Lisboa entre Janeiro e Fevereiro de 1919.
Da pesquisa que realizei, apesar das informações escassas, deixo
aqui algumas informações acerca do percurso de cada um destes soldados. Localizei na base de dados do Comité Internacional da Cruz Vermelha os cartões de identificações destes prisioneiros de guerra que são apresentados juntamente com as histórias individuais:
Prisioneiros
de guerra melgacenses capturados na Batalha de La Lys
(9 de Abril de 1918)
(9 de Abril de 1918)
1. Mário
Afonso, soldado do 2º Grupo de
Baterias de Artilharia, nascido em 12 de Agosto de 1891, filho de António Luiz
Afonso e Tereza de Jesus, natural do lugar de S. Julião, freguesia de Santa Maria
da Porta, casado. Embarcou para França em 20 Agosto de 1917 integrado no Corpo
Expedicionário Português, portador da chapa de identificação nº 28 641.
Sobreviveu à guerra. Desaparecido em combate na Batalha de La Lys (9 de Abril
de 1918). Feito prisioneiro pelos alemães e levado para o Campo de Prisioneiros
de Dulmen situado na região da Westefalia (Alemanha), tendo estado também no Campo de Prisioneiros de Hameln. O soldado Mário Afonso
embarcou no navio inglês "Northwestern Miller" em 31 de Janeiro de
1919 e desembarcou em Lisboa de 4 de Fevereiro de 1919.
2. António
Fernandes, 2º Cabo do 2º Grupo de
Baterias de Artilharia, nascido em 19 de Junho de 1891, filho de Agostinho
Fernandes e Maria Rosa Esteves Cordeiro, natural do lugar de Ranhol, freguesia
de Penso, casado. Embarcou para França em 17 Novembro de 1917 integrado no
Corpo Expedicionário Português, portador da chapa de identificação nº
33 557. Sobreviveu à guerra. Desaparecido em combate na Batalha de La Lys
(9 de Abril de 1918). Feito prisioneiro pelos alemães e levado para o Campo de
Prisioneiros de Münster II (Alemanha). O soldado António Fernandes embarcou no
navio inglês "Northwestern Miller" em 31 de Janeiro de 1919 e
desembarcou em Lisboa de 4 de Fevereiro de 1919.
3. Abílio
Alves de Araújo, 1º Cabo do Regimento de Infantaria nº 29, 4ª
Brigada de Infantaria (Brigada do Minho), filho de João Manuel de Araújo e Maria
Joaquina Alves, natural de Melgaço (data de nascimento e freguesia de
naturalidade desconhecidas), solteiro. Embarcou para França em 22 Abril de 1917
integrado no Corpo Expedicionário Português, portador da chapa de identificação
nº 46 998. Sobreviveu à guerra. Desaparecido em combate na Batalha de La
Lys (9 de Abril de 1918). Feito prisioneiro pelos alemães e levado para o Campo
de Prisioneiros de Friedrichsfeld (Alemanha). O soldado Abílio de Araújo
embarcou no navio inglês "Northwestern Miller", na Holanda, em 31 de
Janeiro de 1919 e desembarcou em Lisboa de 4 de Fevereiro de 1919.
4. Avelino
Fernandes, Soldado do Regimento de
Infantaria nº 3, 4ª Brigada de Infantaria (Brigada do Minho), nascido em 7 de
Novembro de 1893, filho de Francisco Fernandes e Libania Martins Peixoto,
natural do lugar de Ferreiros, freguesia de Alvaredo, casado. Embarcou para
França em 18 de Abril de 1917 integrado no Corpo Expedicionário Português,
portador da chapa de identificação nº 49 462. Sobreviveu à guerra.
Desaparecido em combate na Batalha de La Lys (9 de Abril de 1918). Feito
prisioneiro pelos alemães e internado no Campo de Prisioneiros de Dulmen (Alemanha).
O soldado Avelino Fernandes embarcou no navio inglês "Northwestern Miller"
em 12 de Janeiro de 1919, na Holanda, e desembarcou em Lisboa de 18 de Janeiro
de 1919. (Cartão de identificação de prisioneiro de guerra não localizado)
5. António
José Rodrigues, Soldado do
Regimento de Infantaria nº 3, 4ª Brigada de Infantaria (Brigada do Minho),
nascido em data desconhecida, filho de José Manuel Rodrigues e Carolina Rosa
Rodrigues, natural da freguesia de Paderne, solteiro. Embarcou para França em
15 de Abril de 1917 integrado no Corpo Expedicionário Português, portador da
chapa de identificação nº 49 526. Sobreviveu à guerra. Desaparecido em
combate na Batalha de La Lys (9 de Abril de 1918). Feito prisioneiro pelos
alemães e levado para o Campo de Prisioneiros de Münster II (Alemanha). O
soldado António José Rodrigues embarcou no navio inglês "Northwest Miller"
em 31 de Janeiro de 1919 e desembarcou em Lisboa de 4 de Fevereiro de 1919.
6. Justino
Pereira, Soldado do Regimento de
Infantaria nº 3, 4ª Brigada de Infantaria (Brigada do Minho), nascido em data
desconhecida, filho de António Pereira e Maria Esteves, natural da freguesia de
Cubalhão, solteiro. Embarcou para França em 15 de Abril de 1917 integrado no
Corpo Expedicionário Português, portador da chapa de identificação nº
49 544. Desaparecido em combate na Batalha de La Lys (9 de Abril de 1918).
Feito prisioneiro pelos alemães. A partir daqui, o percurso deste soldado é um
autêntico mistério. Desconhece-se o campo de prisioneiros onde esteve já que
não consta no seu boletim individual. Não consta na base de dados do Comité
Internacional da Cruz Vermelha. Sabe-se apenas que desembarcou em Lisboa em 3
de Janeiro de 1919, não se sabendo se embarcou na Holanda ou em Cherbourg
(França).
7. Inocêncio
Augusto Carpinteiro, Soldado do
Regimento de Infantaria nº 3, 4ª Brigada de Infantaria (Brigada do Minho),
nascido em 28 de Agosto de 1895, filho de Firmino Augusto Carpinteiro e
Joaquina Rosa Soares, natural da freguesia de S. Paio, lugar dos Barreiros, solteiro.
Embarcou para França em 15 de Abril de 1917 integrado no Corpo Expedicionário
Português, portador da chapa de identificação nº 49 556. Sobreviveu à
guerra. Desaparecido em combate na Batalha de La Lys (9 de Abril de 1918).
Feito prisioneiro pelos alemães e levado para o Campo de Prisioneiros de Dulmen
(região da Renânia/Norte Westfalia, Alemanha, a cerca de 40 Kms a norte de Dortmund)
tendo estado também no Campo de Senne, que fica próximo da cidade alemã de
Bielefeld. O cartão de identificação do prisioneiro de guerra que em baixo se
mostra pertence ao campo de Senne. O soldado Inocêncio Carpinteiro embarcou no
navio inglês "Northwestern Miller" na Holanda em 12 de Janeiro de
1919, na Holanda, e desembarcou em Lisboa de 18 de Janeiro de 1919.
8. António
dos Reis, Soldado do Regimento de
Infantaria nº 3, 4ª Brigada de Infantaria (Brigada do Minho), nascido em 25 de
Junho 1892, filho de João Batista Reis e Lauriana Joaquina Esteves, natural da
Rua Direita, freguesia de Santa Maria da Porta, solteiro. Embarcou para França
em 15 de Abril de 1917 integrado no Corpo Expedicionário Português, portador da
chapa de identificação nº 49 563. Sobreviveu à guerra. Desaparecido em combate
na Batalha de La Lys (9 de Abril de 1918). Feito prisioneiro pelos alemães e
levado para o Campo de Prisioneiros de Friedrichsfeld (Alemanha). O soldado
António dos Reis fez a viagem até Cherbourg (França) onde embarcou no navio inglês
"Orita" em 13 de Fevereiro e desembarcou em Lisboa de 16 de Fevereiro
de 1919.
9. António
Pires, Soldado do Regimento de
Infantaria nº 3, 4ª Brigada de Infantaria (Brigada do Minho), nascido em 8 de
Julho de 1894, filho de pai incógnito e Dolores Pires, natural do lugar do Paço,
Roussas, solteiro. Embarcou para França
em 22 de Abril de 1917 integrado no Corpo Expedicionário Português, portador da
chapa de identificação nº 49 837. Sobreviveu à guerra. Desaparecido em
combate na Batalha de La Lys (9 de Abril de 1918). Feito prisioneiro pelos
alemães e levado para o Campo de Prisioneiros de Friedrichsfeld (Alemanha). O
soldado António Pires embarcou no navio inglês "Northwestern Miller"
em 12 de Janeiro de 1919 e desembarcou em Lisboa de 18 de Janeiro de 1919.
Bibliografia:
- Arquivo Histórico do Exército;
- OLIVEIRA, Maria José (2011) – “Deste triste viver"
– Memórias dos prisioneiros de guerra portugueses na primeira Guerra Mundial.
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Unoversidae Nova de Lisboa, Lisboa;
- MARQUES, Isabel Pestana, op. cit., p. 389;
AFONSO, Aniceto, 2008, Grande Guerra. Angola, Moçambique e Flandres.
1914/1918, Lisboa, Quidnovi, Col. Guerras e Campanhas Militares, p. 106;
- TEIXEIRA, Nuno Severiano, 1992, “A Fome e a Saudade. Os
Prisioneiros Portugueses na Grande Guerra”, in Penélope. Fazer e Desfazer a
História, Lisboa, nº 8, p. 102;
- http://www.rtp.pt/noticias/portugal-na-1-grande-guerra/antonio-santos-saga-de-um-prisioneiro-da-flandres-a-prussia-oriental_es891158;
- PRISONNIERS
DE LA PREMIÈRE GUERRE MONDIALELES ARCHIVES HISTORIQUES DU CICR (https://grandeguerre.icrc.org/fr).
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