O fenómeno do contrabando existe em Melgaço e na região
quase desde os tempos em que existem fronteiras. Trata-se de uma atividade que
nasce de uma oportunidade de obter uma margem de lucro bastante apelativa.
Os tempos da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945) terão
sido talvez aqueles em que mais rapidamente se construiram grandes fortunas
nesta região, algumas das quais obtidas quase a partir do zero, graças ao
contrabando de mercadorias valiosas como o volfrâmio, ouro e outras.
Esta atividade do contrabando nas fronteiras de Melgaço foi
muito vigiada pelos serviços secretos americanos durante a guerra. Tal é
comprovado pela abundante produção de relatórios que documentam a atividade, a
corrupção dentro das autoridades portuguesas e o próprio enriquecimento rápido
dos principais membros das redes de contrabando na região.
Estavámos na chamada “Febre do volfrâmio”, durante a Segunda
Guarra Mundial. A Alemanha era obrigada a abastecer-se de matérias primas
essenciais para alimentar o seu esforço de guerra. Contudo, os países dispostos
a fornecer essas mercadorias eram cada vez menos por pressão e imposição dos
aliados. O volfrâmio era essencial para o fabrico de material militar e
Portugal era o maior fornecedor deste minério aos nazis. Desta forma, durante a
guerra, o preço foi subindo rapidamente e o contrabando mostrou-se muito ativo nas transações
permitindo margens de lucro nunca vistas. Dizia-se que o volfrâmio valia mais
do que o ouro. Exagero ou realidade?
Conjunto de recortes da imprensa de 1941 |
Pelas fronteiras de Melgaço, passaram grandes quantidades
deste minério extraído em diversas minas do norte do país, algumas delas
controladas pelos próprios alemães. Todavia, em Castro Laboreiro, em 1942,
também se descobrem reservas de volfrâmio que se passam a explorar. Numa carta
de Outubro desse ano, dirigida ao Ministro do Interior, o pároco de Castro
Laboreiro escreve “Em 23 de Junho do corrente ano, foi descoberta num baldio da referida
freguesia, volfrâmio de aluvião, por dois menores, um de 13 e outro de 11 anos
de idade. Os pais destes menores começaram a explorar secretamente o minério,
pois ignoravam o que dispõe a legislação mineira e assim fizeram desde 23 a 30
de Junho, dia em que se tornou público no lugar da Seara, que no Monte dos
Campinhos Verdes havia volfrâmio. Acorre gente do lugar e mais um negociante
ambicioso do lugar das Cainheiras, de nome José Esteves. Este reune a sua
família e paga a homens que trabalham por sua conta na exploração do minério…”
Mais tarde, foi constituída uma sociedade que controlasse
a exploração. Todo o processo foi muito confuso e conflituoso com o pároco de
Castro Laboreiro a trocar acusações com a Câmara Municipal e com a Sociedade
Mineira de Castro Laboreiro, acusando estes de estarem a roubar um recurso que
pertencia ao povo castrejo no seu próprios proveito.
Um dos negociantes mais ativos no contrabando do
volfrâmio de Castro Laboreiro era Manuel José Domingues, mais conhecido como o
Mareco. A sua atividade era vigiada pelos serviços secretos americanos a ponto
de escreveram num relatório de 1944 “Manuel
José Domingues de Castro Laboreiro transacionou anteriormente volfrâmio, ouro e
moeda ilegalmente através de Espanha para os alemães, e, segundo as notícias,
ainda está negociando barras de ouro. Os seus associados eram Barros da Costa,
o tenente Walter Thoebe, Artur Teixeira, Manuel Lourenço de Melgaço, António
Esteves, Francisco Esteves, Manuel Pereira de Lima e Adolfo Vieira de Monção.
Antes da guerra, as suas propriedades imobiliárias em Castro Laboreiro valiam
cerca de 200 000 escudos. Actualmente, possui um património imobiliário
avaliado em cerca de 4 000 000 escudos no concelho de Melgaço e Valença. No
início deste ano, Domingues foi preso com dezessete barras de ouro no valor de
660 000 escudos na sua posse. Nada resultou dessa prisão…”
Contudo, Manuel José Domingues
não era o único envolvido nos negócios paralelos que atuava nas fronteiras de
Melgaço. Um outro relatório dos serviços secretos americanos datado de 6 de
Maio de 1945 confirma que pela fronteira melgacense terá passado ouro rumo à
Alemanha nazi durante a II Guerra Mundial. Não estou certo que se estivessem a
referir literalmenre a ouro mas antes a volfrâmio já que o minério era
apelidade na época de “ouro negro”. A mercadoria terá sido passada na raia
entre Cevide e Castro Laboreiro.
No relatório refere-se que “As
atividades de contrabando de ouro a partir de Portugal para Espanha continuaram
através de Castro Laboreiro. As seguintes pessoas foram os principais
envolvidos no contrabando: Francisco Esteves e seu filho Manuel Esteves, Manuel
Pereira Lima, Adolfo Vieira, Adolfo Fragoso, Antero Rodrigues, Pedroso de Lima,
Artur Teixeira - todos de Monção. Eles foram auxiliados pelos Tenentes
Diamantino Leite e Júlio Araújo, encarregados dos postos da Guarda Fiscal de
Monção e Melgaço, respectivamente.”
O minério seria proveniente de
algumas minas do Norte do País, chegando a Melgaço, onde contrabandistas
engendrariam o esquema de fazer passar a mercadoria para lá da fronteira. Artur
Teixeira, teria papel de destaque ou seria até mesmo o cabecilha da quadrilha,
confirmando a informação dos serviços secretos norte-americanos, que, em 1945,
o referenciavam como membro de uma “sociedade
de contrabando”. Artur Teixeira é um dos muitos nomes apontados
em relatórios de espiões americanos, elaborados em 1945 a partir de Lisboa. Em
declarações ao Diário de Notícias, na edição de 30 de Janeiro de 1997,
populares da vila, que pediram anonimato, recordam ter sido essa a forma de
Artur Teixeira e seus pares enriquecerem – os americanos falam em 24 mil contos
na altura. “Ele emprestava aos mil e dois mil contos, comprou inúmeras
propriedades. Tinha muitas posses”, garantem.
O Diário de Notícias, na mesma
edição, refere também que Artur Teixeira conseguiu instalar um posto de
abastecimento de combustível – único em Melgaço -, montou uma empresa de
camionagem, que servia o concelho e terras vizinhas, e abriu uma agência de
câmbios, resultado de “importantes contactos em instituições bancárias do
Porto”.
Estas transações contaram,
segundo este relatório com a conivência de vários guardas fiscais. De facto no
relatório menciona-se que “O ouro, que foi trazido de várias partes
do país, foi contrabandeado através do posto da Guarda Fiscal de Cevide, em
frente à cidade espanhola de Frieira. Em seguida, era despachado por um Guarda
Fiscal, de nome Guilhermino, em funções no posto de Cevide, e por um guarda
fiscal do posto de São Gregório, chamado Celoso.”
Um dos indícios desta teia de
corrupção apontado pelos espiões americanos é fruto da vigilância que é
feita às suas contas bancárias e a outras transações. No relatório é mencionado
que “Há poucos dias, o guarda Celoso terá comprado parte de uma
propriedade no valor de 400 000 escudos.” Deduzem os americanos que os
lucros deste guarda fiscal do posto de S. Gregório obtidos com este esquema de
contrabando terão sido empregues na compra da tal propriedade. Tal compra não
seria possível apenas com o seu salário.
Existem outros contrabandistas que atuavam no nosso
concelho que são visados em relatórios dos americanos. Um deles é Manuel
Pereira Lima de Monção, já citado atrás. Segundo o relatório, este
contrabandista “costumava negociar em ouro, moeda, câmbio, tripas secas e tabaco com
Espanha para posterior despacho para a Alemanha, e ainda faz negócios em ouro e
moeda com a casa bancária Echeverria. Alguns desses associados e colaboradores
foram António Esteves, Francisco Esteves, Adolfo Vieira, Manoel José Domingues
e Artur Teixeira de Monção. Antes da guerra, o seu património valia apenas
cerca de 30000 escudos, mas agora possui duas propriedades no concelho de
Monção no valor de 300 mil escudos, e tem em sua posse, em dinheiro e barras de
ouro, um valor estimado em 200 mil escudos. Ele tem contas nos bancos Borges
& Irmão e Cupertino de Miranda no Porto. Ele faz parte de uma rede de contrabandistas em Monção,
Melgaço e São Gregório para o comércio com a Espanha. As suas atividades
ilegais nos produtos de remessa dos tipos mencionados acima tiveram o seu pico
durante 1942, 1943 e 1944. Ele livrou da prisão a Manoel José Domingues, um da
sua rede de contrabando, quando Domingues foi preso por transportar 17 barras
de ouro no valor de 560 000 escudos. Um outro parceiro de Manuel Pereira Lima
também foi preso na fronteira perto de Lapela pela Guarda Fiscal. Pereira Lima
“tratou do caso” de forma a que aquele fosse apenas acusado de trespasse
simples. Caso contrário, e de acordo com a lei portuguesa, poderia apanhar uma
pena máxima de 28 anos de prisão.” Claro que estes arranjos só eram
possíveis recorrendo a esquemas de corrupção a que recorriam os contrabandistas
sempre que eram intercetados.
Desta rede de contrabando que atuava nas fronteiras de
Melgaço, fazia parte também António Esteves de Monção que segundo os relatórios
americanos “realizava transações ilegais com volfrâmio para os alemães, via
Espanha e eram pagas em divisas, ouro e moeda estrangeira - dólares, pesetas e
libras esterlinas - e ainda organiza negócios em ouro e câmbio para os alemães
em Espanha. Ele trabalhava com o Banco Ferreira Alves do Porto e a casa
bancária de Echevarria em Espanha juntamente com Francisco Esteves, Manoel
Pereira Lima, Manoel José Domingues e outros. Atuava como um “testa de ferro”
para o Banco Borges & Irmão no Porto em transações com os alemães. A sua
única propriedade antes da guerra era a casa em Monção, e uma fortuna privada
estimada em 120 000 escudos em títulos, ouro em barras e dinheiro. Tem contas
nos bancos Borges & Irmão, Cupertino de Miranda e Ferreira Alves e Pinto
Leite no Porto.”
Conforme se verifica atrás, um outro membro desta rede de
contrabandistas a que os americanos dão destaque nos seus relatórios secretos é
Francisco Esteves também de Monção. De acordo com os mesmos, “segundo
notícias, ainda está negociando ilegalmente com ouro, câmbio de moeda, cartas
de crédito e volfrâmio, colaborando com António Esteves. Ele não possuía nada
antes da guerra, mas agora possui grande uma propriedade em Monção. A sua
fortuna pessoal é estimada em 10 000 000 escudos. Ele tem contas nos bancos
Borges & Irmão, Cupertino de Miranda, Fernando Magalhães e Sousa Cruz.”
Joaquim Correia de Azevedo, de Barcelos, era outro dos
principais negociantes de contrabando que atuavam em Melgaço em parceria com
outros já citados, alguns melgacenses. Segundo os relatórios dos serviços
secretos americanos, o mesmo “vendeu anteriormente cargas de volfrâmio e
mercadorias em geral para a Alemanha. As suas transações, na sua maioria
ilegais, foram feitas com a ajuda de Artur Teixeira, António Pedrozo de Lima,
António Valas, Manuel José Domingues, Eugénio Pinheiro e Artur Teixeira, todos
de Melgaço. Ele não tinha nada antes da guerra, mas a sua fortuna é agora cerca
de 5 000 000 escudos em dinheiro, títulos, barras de ouro e pedras preciosas.
Ele tem uma conta bancária no Banco Borges & Irmão.”
Além das rotas ilegais do volfrâmio para a Alemanha, via
Espanha, seguiam também de Portugal, pelo mercado negro, outras matérias-primas
como o estanho. Encontra-se documentado pelos serviços secretos americanos o
percurso que carregamentos de estanho faziam. Assim, segundo os relatórios, “no
final de 1943, navios pesqueiros espanhóis faziam frequentemente transporte de
sisal de Viana do Castelo, para Lisboa. Quando os barcos retornaram a Vigo, na
Espanha, levaram carregamentos de estanho fornecidos por Adão Polónia de Matosinhos.
Polónia comprava o estanho no mercado negro, embora originalmente pertencesse à
Guild Canner's. Um outro bom negócio envolvendo estanho diz respeito a um carregamento que foi
transportado por terra pelo gerente da empresa Zickermann no Porto e outros e
foi enviado pelo Minho, Valença e S. Gregório. Este estanho foi vendido no
mercado negro. Isso trouxe um preço tão alto que alguns produtores preferiram
vender dessa maneira e assim ganhar mais dinheiro escoando-o através do
contrabando. Não se sabe por que a Comissão Reguladora do Comércio de Metais
perdeu o controle sobre a distribuição de suprimentos.” Certamente, a
corrupção explica isto muito bem…
Anúncio Jornal de Notícias, 12 de fevereiro de 1942
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Este texto tenta ajudar o caro leitor a compreender que o
contrabando do volfrâmio durante os anos da Segunda Guerra Mundial era
praticado por complexas redes que o encaminhavam até às fronteiras e o
despachavam através de Espanha rumo à Alemanha. A mercadoria era paga de
diversas formas, mas frequentemente em ouro já que a divisa alemã tinha pouco valor. Toda esta atividade foi bastante vigiada pelos serviços secretos americanos que constatam que o contrabando de carregamentos de volfrâmio para a Alemanha nazi foi uma constante durante quase todo o conflito. Verificam também que o enriquecimento dos principais cabecilhas desta rede foi evidente pela vigilância que fazem das suas contas bancárias bem como do seu património imobiliário, investimentos, barras de ouro, pedras preciosas, entre outros bens de valor. Desta forma, este negócio fez de alguns contrabandistas melgacenses e da região, homens muito
ricos. Para os outros, foi um tempo em que a atividade mineira ajudou a disfarçar a miséria…
Thanks for sharing. These are very important historical facts about Melgaco and Moncao. I was very young but I remember very well the time when there was smuggling across the borders. My father's brother -in-law from Barbeita was a GUARDA FISCAL and he was killed because he would not collaborate with the smugglers. I myself, although not a smuggler, was across the river in Spain and when I was told to stop, I jumped in the water and swam across the river to the Portuguese side. When I got out of the water behind the rocks, my friend told me I had a little bleeding on the calve of my leg. My friend told me that the carabinier had shot at me while I was in the water. It was a minor injury for which I still have a scar, and a significant reminder of the times. Memories of THE GOOD, BAD AND UGLY.
ResponderEliminarSincerely,
Jose Dias de Figueiredo
Joe de Fiueiredo
jdefig@cfl.rr.com