sexta-feira, 1 de março de 2019

Sobre o traje de noiva típico de Castro Laboreiro (Melgaço)




O traje típico de Castro Laboreiro é de caraterísticas singulares. Foi por isso alvo de estudos etnográficos por alguns dos maiores investigadores na área durante o século XX.
Esta fotografia mostra-nos uma panorâmica da vila castreja em 1915. Onze anos antes, em 1904, já José Leite de Vasconcelos calcorreava os caminhos de Melgaço até Castro Laboreiro para estudar os costumes castrejos. Em relação ao traje típico de Castro Laboreiro, faz-nos, no seu trabalho publicado, uma descrição bastante pormenorizada. Quando chegou a Castro Laboreiro, era dia de feira e o investigador observou “muitos homens juntos: apresentavam-se geralmente de cara rapada, vestidos de çaragoça (jaqueta, calças e collete), traziam chapéus de panno ou carapuça, e varapau. Mulheres, por ser de gado a feira, não andavam lá muitas. O trajo ordinário d’ellas é: camisa; faxa vermelha; collete; jaqueta; saia branca; saiote; saia de cor, quási sempre,preta, feita de foloado «panno de lã de ovelha ou de linho» que se fabrica em Castro; mandil, singuidalho, do mesmo ou de outro panno; na cabeça capella, que pode ser substituída por lenço; nas pernas calções e piúcas, meias sem pés, que se prendem com uma liga ou baraça; e nos pés chancas.(…) No Inverno, tanto homens como mulheres, se abrigam das neves, chuvas e friagens com o corucho, espécie de capuz de burel que se traz na cabeça, e tem uma espécie de aba que se prolonga pelas costas abaixo."
Entre outros estudos etnográficos acerca das vestes típicas de Castro Laboreiro, é de salientar a obra de Alice Geraldes, publicado em 1979, que nos deixa um excelente apontamento sobre o traje de noiva típico de terras castrejas. Sobre o mesmo diz-nos que “a saia era feita de tecido xadrez, da Covilhã. Chegava a ter dois metros de largura e o comprimento ia até ao tornozelo. A beira da saia era debruada com uma fita de lã preta, à qual se seguia uma barra de um palmo de veludilho preto e cima desta uma tira de cetim da mesma cor. A barra de veludo era contornada com um fitilho de lantejoulas e vidrilhos.
A blusa era de castorina de cor escura. apertava à frente com botões e a manga era comprida. Por cima levava um peitilho em renda.
Algumas noivas, nem todas, vestiam um casaco de casimira ou saragoça preta, cujo comprimento não chegava bem à cinta. Aplicava-se-lhe também como guarnição uma tira de veludilho à volta e outra na ponta das mangas.
O "mandil" também preto, ou era de cetim com barra de veludo, ou de veludo com barra de cetim.
Na cabeça levavam as noivas um lenço de seda que, segundo a opinião da nossa informadora, era lindo: dourado, florido com franjas a toda a volta . Atavam as duas pontas sob o queixo.
Usavam ainda um xaile de casimira preta com barras às cores de larga franja tecida. O xaile era simplesmente posto sobre os ombros, sem ser traçado.
A saia, que usavam por baixo, era de linho e enfeitada com rendas e entremeios de crochet.
Ao pescoço, as noivas traziam um cordão de ouro com 3 ou 4 voltas, oferecido pelo noivo. Uma das voltas deste cordão passava por vezes debaixo do braço.
No dia da boda as noivas usavam sapatos.
(…) Segundo informações que nos foram prestadas, o primeiro casamento que se realizou na "Vila" com noiva à moda da cidade, isto é, sem ser à moda da terra, data de há 12 anos atrás [por volta de 1967]. Depois deste, o hábito pegou de forma radical e hoje já ninguém leva o trajo tradicional.
Sobre a quebra de tal costume, uma jovem na casa dos 19 anos, ainda solteira, deplorava que o tradicional trajo de noiva tivesse sido preterido por outro tão incaracterístico e a todos os títulos menos belo. Acalentava o sonho de ir vestida, se o namorado a isso não se opusesse, como as noivas antigas da sua terra, porque, segundo a sua opinião, a modernização não devia destruir o que de belo havia na vida da sua gente. Era uma moça inteligente, que tinha noções concretas e muito bem concertadas sobre o valor da cultura tradicional e do que havia de secundário e essencial nela.”




Extrato em: 

- GERALDES, Alice (1979) - CASTRO LABOREIRO E SOAJO - Habitação, vestuário e trabalho da mulher; Edição do Serviço Nacional de Parque, Reservas e Património Paisagístico, Lisboa.
 LEITE, Antero & LEITE, Maria Antónia M. Cardoso - O Trajo Castrejo. ACER - Associação Cultural e de Estudos Regionais.

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