domingo, 23 de novembro de 2025

Melgaço e o legado de Frei Bartolomeu dos Mártires


 

No século XVI, o primitivo concelho de Melgaço pertencia à arquidiocese de Braga. Na segunda metade dessa centúria, o arcebispo era Frei Bartolomeu dos Mártirescuja ação pastoral foi bastante marcante para esta terra. Este nasceu em Lisboa em 1514 e esteve à frente da arquidiocese bracarense entre 1559 e 1590.

Na verdade, Melgaço deve, boa parte, a Frei Bartolomeu dos Mártires o seu atual mapa das freguesias. Por um lado, extinguiu Santa Maria do Campo e São Fagundo, passando a existir apenas Santa Maria da Porta. Por outro lado, criou as paróquias de Cubalhão e Cousso, desafetando-as do Couto de Paderne. É nesta altura que o atual mapa de paróquias melgacenses ganha a forma que conhecemos. 

Segundo MARQUES (2005), em relação à extinção das mencionadas paróquias, embora não tenhamos, de momento, registo explícito quanto à união in perpetuum ou para sempre da paróquia de S. Fagundo à de Santa Maria da Porta por D. Frei Bartolomeu dos Mártires, os elementos disponíveis não deixam dúvidas sobre tal decisão deste prelado. Com efeito, no Censual de D. Frei Baltasar Limpo, organizado em 1551, na margem esquerda da fl. 125, consta a seu respeito que pagava de “chancelaria III reaes" e, logo a seguir, dentro da mancha gráfica, esclarece: - «Item São Fagundo camera (isto é: quintado Arcebispo». Por sua vez, na cópia deste Censual, feita no tempo de D. Frei Bartolomeu dos Mártires, após a indicação dos 3.000 reais que devia pagar de chancelaria, acrescenta: «Item Sam Fagundo sem cura do Arcebispo». Por esta mesma cópia, ficamos a saber que a paróquia de Santa Maria do Campo foi extinta, em 1564, por D. Frei Bartolomeu dos Mártires, com o consentimento do Duque e da Duquesa de Bragança e do Dom Abade e do Convento do Mosteiro de Fiães, conservando o Arcebispo, em duplicado, o direito de apresentação in solidum, dentro de um turno quaternário, pertencendo as outras duas apresentações, em alternativa com o Prelado bracarense, ao Duque de Bragança e ao D. Abade e Convento do Mosteiro de Fiães, conforme ficou claramente consignado no documento. No mesmo, pode ler-seItem Porta de Melgaço, Santa Maria: a metade do Mosteiro de Feães e a outra ametade do Concelho de Melgaço e porem ha parte do Concelho he d'apresentação do Duque por doação que lhe foy feita he confirmada. A esta igreja se ajuntarão  os fregueses de Sancta Maria do Campo da dita Vila que o Rev.mo Senhor Arcebispo Dom Frey Bertolameu dos Mártires nosso senhor extinguiu no mes de Dezembro de 1564 e de consentimento do dito Duque e Duquesa e Dom Abbade he Convemto de Feães padroeiros de Sancta Maria da Porta ficou ao dito Senhor Arcebispo e sua Igreja de Braga a apresentação que tinha na igreja de Sancta Maria do Campo em turno quaternario ficando sempre in solidum duas apresentações a Sua Senhoria Rev.ma, convem a saber: a primeira [vez] que vagar esta igreja de Santa Maria da Porta e a segunda do dito Duque e a terceira do dito senhor Arcebispo e a quarta do dito Mosteiro de Feães e asy neste turno quaternario andarão sempre como consta mais largamente dos instrumentos que ficarão em poder de Manuel de Lemos scripvão da Camara 

Nestas circunstâncias, não é necessário fazer um grande esforço mental para concluir que, em relação à paróquia de S. Fagundo, que, já em 1551, era câmara do Arcebispo e, agora, era sem cura, não deixaria de a incorporar também na de Santa Maria da Porta. 

Conforme mencionados anteriormente, também é da responsabilidade de Frei Bartolomeu dos Mártires, a criação de duas novas paróquias. Assim, sabe-se que o desmembramento das aldeias de Cubalhão e de Cousso, da freguesia de Paderne, e a sua elevação a paróquias, embora continuando, de algum modo, dependentes do Mosteiro local, foi concretizado, em 1567, por D. Frei Bartolomeu dos Mártires, que, tomando contacto com a realidade pastoral, à luz dos critérios estabelecidos no Concílio Provincial Bracarense, de 1566, não deixou de proceder à reorganização administrativa mais conveniente, que implicava a ereção das necessárias igrejas. Se em relação às três minúsculas paróquias na vila de Melgaço, atendendo à sua grande proximidade e a que a população não era muito elevada, a solução mais correta era integrá-las apenas numa, quanto às aldeias de Cubalhão e de Cousso, a medida mais prudente, dadas as distâncias a que se encontravam da igreja matriz - que era a conventual de Paderne – e considerando que na segunda metade do século XVI se assistia a um movimento de acentuado crescimento económico e demográfico, a solução mais prudente e acertada era elevá-las a paróquias, integradas no couto do mosteiro de Paderne, nas condições acima referidas. 

No Inventário dos bens do Mosteiro de S. Salvador de Paderne, fls. 76v-77v., consta expressa e respetivamente acerca de cada uma que foi elevada a freguesia no ano de 1567 pelo «Venerável Frei Bertholameu dos Mártires». Apesar desta decisão do Arcebispo, os primeiros anos destas novas paróquias são mal conhecidos. Quanto a Cousso, sabemos que, a 7(?) de Março de 1572, o mesmo Prelado mandou passar provisão para se poder celebrar na ermida de Santo Antão, que já estava concluída e nas condições requeridas para o efeito, aspeto que constitui mais um elo de ligação de D. Frei Bartolomeu dos Mártires às atuais terras de Melgaço. 





Fonte consultada: MARQUES (2006) - Contestada visita de D. Frei Bartolomeu dos Mártires a Fiães - 1572. In: Boletim Municipal de Melgaço, Câmara Municipal de Melgaço.

domingo, 26 de outubro de 2025

O estado da estrada de Valença a Melgaço e São Gregório em notícia de “O Comércio do Porto” (1866)

 

Estrada nas proximidades de São Gregório, Melgaço (1911)

 

Em tempos antigos, a via que percorria o vale do Minho entre Caminha e Melgaço e que se prolongava até São Gregório era a designada Estrada Real nº 23. Dizia-se em 1866, que o troço entre Valença e São Gregório se encontrava em muito mau estado e impunha-se o seu melhoramento. A urgência de uma intervenção é tema de uma notícia do jornal portuense “O Comércio do Porto” de 31 de Maio de 1866 onde se pode ler:

Estrada de Valença a S. Gregório - Publicando há tempos uma representação que a Câmara de Valença dirigira ao governo, pedindo a pronta construcção da estrada d’aquella villa a S. Gregório, no concelho de Melgaço, acompanhamo-la das reflexões que o assunto nos suggeriu, secundando a Câmara de Valença na sua justa solicitação. 

No "Diário de Lisboa" de 28 do corrente deparamos com algumas palavras pronunciadas na câmara efetiva pelo Sns. Joaquim Maria Osório, representante do Círculo de Melgaço, por ocasião de apresentar uma proposta relativa à construção da mesma estrada. Julgando essas palavras dignas de trasnscrição, porque veem em reforço do que se tem dito acerca da necessidade de melhoramento alludido, damo-las em seguida, bem como a proposta feita pelo mesmo Snr. Deputado para que se converta em realidade o que os habitantes do concelho de Valença com sobrada razão pedem que lhe seja concedido. 

Cumpre notar, porém, que não é esta a única vez que o Snr. Joaquim maria Osório, advogando os interesses da localidade que representa, tem feito ouvir a sua voz no parlamento a solicitar dos poderes públicos que tenham em consideração as reclamações dos povos de Valença, reclamações sobejamente fundadas n’este ponto, pelo estado de abandono a que se acha votada a comunicação entre aquella vill e a povoação de S. Gregório. 

Na passada sessão de 25 do mez passado, por ocasião de mandar para a meza a representação da Câmara de Valença, que n’este jornal foi transcrita, S. Ex.cia acompanhou-a de algumas reflexões, que muitos deviam influir para o seu diferimento, se a justiça de qualquer causa fosse sempre a melhor recomendação para ser attendida. 

Eis as palavras do illustre deputado: Não posso deixar de chamar à atenção do inteligentíssimo ministro das Obras Públicas para o estado em que infelizmente se acha a estrada de Valença a S. Gregório no concelho de Melgaço. É ele de tal natureza, que o excelentíssimo antecessor de Sua Excelência, o Sr. Conde de Castro, em uma das ocasiões a que aludi a este assunto, nesta casa e daquela mesma cadeira me disse que há quarenta anos, estando Sua Exelência em Melgaço, se tinha contristado de ver o miserável estado desta estrada, já então intransitável.  

Na actualidade, pôde Sua Excelência ajuizar qual será o seu estado, e quais serão os perigos a que se têem sujeitado os habitantes dos concelhos de Valença, Monção e Melgaço, que se vêem na dura precisão de a transitarem. Tornando-se estes perigos muito mais graves nas ocasiões invernosas, em que o rio Minho com as suas cheias a inunda. 

Acresce a este mal os prejuízos que sofrem os proprietários de não poderem levar os seus géneros agrícolas e industriais aos pontos de consumo. 

Não tratarei agora de enumerar os factos lamentáveis que se têem dado naquela estrada, porque não desejo cansar a atenção da câmara e a do nobre ministro. Mas não posso deixar de chamar a atenção de Sua Excelência sobre a quase paralisação em que se acham os trabalhos da estrada dos Arcos a Monção, pelo diminuto pessoal que ultimamente ali se tem empregado. Espero que Sua Excelência dê as providências necessárias para activar a construção desta estrada, e para mandar continuar os trabalhos na direcção de Melgaço, por ser essa a directriz a seguir. 

Também não posso deixar de chamar a atenção do nobre ministro sobre o estado em que se encontra a estrada de Valença a Paredes de Coura. 

A câmara sabe que Coura é um ponto importantíssimo para o comércio, porque é sem duvida o celeiro do Minho, e os proprietários não têem meios alguns de fazerem sair os seus géneros agricolas para consumo, como acontece aos de Melgaço e Monção, do que lhes resulta graves prejuízos. 

Confio que o nobre ministro tomará em consideração estas minhas observações, que são verdadeiras. Leu-se na mesa a seguinte proposta: Proponho que da verba, destinada para as estradas, seja aplicada a quantia necessária para a construção das estradas de Valença a S. Gregorio no concelho de Melgaço, e da de Valença a Paredes de Coura no concelho de Valença. 

O deputado, Joaquim Maria Osorio. 

Enviada á comissão de fazenda.” 

A nova estrada até São Gregório ficaria concluída ainda na década de oitenta do século XIX...


Extraída de: "O Comércio do Porto", edição de 31 de Maio de 1866.