Estávamos em meados do século XIX. Em Melgaço e no Alto
Minho, o clima social estava a ferro e fogo. No jornal espanhol “El Católico”, na
sua edição de 13 de Maio de 1846, fala-nos de uma onda de revoltas contra as
autoridades na região. Este clima em que estava mergulhado a região minhota, já
vinha das lutas liberais e tinha tendência a agudizar-se com as medidas tomadas
pelo governo de Costa Cabral e a revolta da Maria da Fonte. A elevada carga de
impostos e a proibição dos enterros nas igrejas são algumas das razões que
justificam este ambiente de revolta contra o Estado na região.
Nos dias 27 e 28 de Abril desse ano, a Praça Militar
melgacense esteve cercada por um grupo de revoltosos que tentaram entrar na
fortaleza e expulsar os militares. Os revoltosos conseguiram inclusivamente capturar as filhas
do comandante da praça e ameaçaram matar as mesmas se aquele não ordenasse
aos soldados que abandonassem a Praça melgacense. Terá o comandante cedido à
chantagem dos revoltosos?
Através da leitura do referido periódico, podemos ter uma ideia de como era o estado de coisas na região. Este conta-nos que “Em Monzao, un gran número de paisanos
armados se dirigieron á la administracíon del concejo, de donde estrajeron los
impresos de cuntribucion y de las leyes sanitarias, quemandolos en seguida en
la plaza pública. Después se dirigieron a Valladares, en cuyo punto quemaron la
casa de la administración: los capitaneaban el abad de Cabreiros, el alférez de
la 3.ª sección y Joaquín Pereira de Pias.
En el concejo de
Coura, se han repetido iguales escenas, nombrando asimismo autoridades los
revoltosos, que se preparaban para atacar la plaza de Melgazo.”
Esse ataque concretizou-se nos dias 27 e 28 de Abril
desse ano de 1846. Desse episódio fala-nos o mesmo jornal onde podemos ler que “La fuerza de Valenza batió y dispersó
completamente en el dia 25 á los sublevados que se haban reunido en la freguesia
de Sopo, concejo de Vila Nova de Cerveira, resultando gran número de muertos y
tres prisioneros. Igualmente se sabe que de la plaza de Valenza debió salir el
28 una fuerza mandada por el teniente del rey, con objeto de hacer levantar el
sitio (cerco) de Melgazo, y recorrer
después los concejos de Valladares y Monzao, restituyendo á las autoridades el
libre ejercicio de sus funciones.”
As tropas da Praça Militar de Melgaço conseguiram resistir
ao cerco e disso dá-nos conta este periódico onde podemos ler que “Las guerrillas que infestaban los concejos
de Monzao, Melgazo y Valladares han sido batidas completamente junto a Melgazo
que se habían atrevido á sitiar.”
Conforme se diz atrás, durante este cerco, os revoltosos
capturaram as duas filhas do comandante da Praça Militar de Melgaço e ameaçaram
matar as raparigas ali à frente do pai caso este não ordenasse à guarnição que se
rendesse e entregassem a fortaleza. No jornal “El Católico”, na edição de 22 de
Maio desse ano de 1846, conta-nos, ainda acerca deste episódio, que “El comandante de la cuarta división
militar y el gobernador de la plaza de Valenza comunican oficialmente un hecho digno
de mencionarse por su singularidad.
Hallándose el gobernador
de la Plaza de Melgazo con una corta guarnición, se acercó á ella una partida
de sublevados siendo en balde cuantos intimaciones le hicieron para que los
rindiese la plaza. Entonces los revoltosos recurrieron á un espediente propio
de tales combatientes para decidir á la plaza rendirse. Presentaron ante el
gobernador á sus dos hijas qué tenian prisioneras, amenazándole con que le quitarían la vida en su presencia. Pero el valor del antiguo y esforzado militar
no vaciló con la amenaza. Su respuesta fue noble, y en lodo digna del grande
alcaide de Faria: "Esta plaza, confiada á mi defensa por el gobierno de la
reina, no se entrega sino después de yo muerto. Antes que todo, son mis deberes
de soldado. Lo demas podrá partirme el corazón como padre; pero no consentiré
que empañe la menor mancha mi espada de soldado."
No sabemos si el
valiente oficial, observando que se aproximaba un fuerte destacamento de
cazadores núm. 7, mandado de Valenza en socorro de la plaza, saldría con su
guarnición contra los revoltosos, y si conseguiria derrotarlos completamente.”
O jornal "El Tiempo", na sua edição de 23 de Maio desse ano, dá-nos conta da resistência do comandante face à chantagem dos revoltosos. Podemos ler que "Entre los últimos accidentes de la guerra, merece llamar la atencion la conducta del gobernador de Melgazo, que ha resistido com corta gueranicion á los levantados, á pesar de amenazarle con la muerte de dos hijas suyasde que se habian apoderado. Por fortuna los sitiadores de melgazo no imitaron la conducta de los de Tarifa." As raparigas foram libertadas e a praça não se rendeu.
Após este episódio, o Duque da Terceira, à data Ministro
da Guerra, tendo conhecimento dos factos, escreve um ofício ao Comandante da Praça Militar de Melgaço onde lhe
transmite que a rainha D. Maria II o quer condecorar pela sua ação na defesa da
Praça melgacense. Nesse ofício, podemos ler que “Sua Majestade A Rainha, a Quem foi presente o ofício do Comandante da
4ª Divisão Militar, incluindo o relatório da infrutífera tentativa feita pelos
revoltosos contra a Praça de Melgaço nos dias 27 e 28 de Abril último.
Manda pela Secretaria
de Estado dos Negócios da Guerra significar ao Governador da referida Praça
que é digna do maior louvor, zelo, coragem verdadeiramente portuguesa com que
soube repelir e castigar tão louco como criminoso arrojo, aguardando A Mesma
Augusta Senhora tão somente que a tranquilidade pública se restabeleça (o que
não tardará) para galardoar por outra maneira os distintos serviços por ele
prestados em defesa da Carta Constitucional. Sua Majestade viu com a maior
satisfação a briosa e nobre comportamento dos oficiais e praças de que se
compõe a guarnição daquela fortaleza e quer que o referido governador em Seu
Real Nome lhes transmita os louvores de que se fizeram merecedores por sua
coragem e patriotismo. O que tudo se comunica
ao comandante da 4ª Divisão Militar para seu conhecimento e efeitos
convenientes.
Paço de Belém, 23 de
Maio de 1846.
Duque da Terceira”. (Documento abaixo)
Fontes consultadas:
- Jornal "El Católico", edição de 12 de maio de 1846;
- Jornal "El Católico", edição de 22 de maio de 1846;
- Jornal "El Tiempo", edição de 23 de maio de 1846;
- Ofício do Duque da Terceira datado de 23 de maio de 1846.
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