Na edição do jornal “O Comércio do Porto” de 13 de Dezembro de 1866, encontrámos um artigo dedicado ao mosteiro de Fiães e ao seu antigo Couto e que recupera escritos extraídos do livro “Corografia Portuguesa” do Padre Carvalho da Costa, obra publicada em 1706. No dito artigo, podemos ler: “No mesmo Concelho de Valladares, ficando-lhe para o Norte o de Melgaço, para o nascente o Reyno de Galliza, sobre huns altos montes, ao pé de outros mais altos está o Convento de Fiães, fundado em tempo del Rey Ramiro Primeiro e de sua mulher a Rainha Dona Paterna, de que julgamos tomar o nome o valle de Paderne. Quando ella então não fosse a fundadora daquelle Morteiro, o seria do de S. Payo, que no termo de Melgaço houve. Foi este de Fiães de Monges Bentos com a invocação de S.Christovão, de que se acha noticia pelos anos de 851 e hum dos primeiros, que desta Ordem houve em Hespanha. Foi logo tão rico em seus princípios de rendas senhorios, que teve nesta Província, na de Trás os Montes e Galliza, que vulgarmentefe dizia não haver algum tão poderoso, como o Dom Abbade de Fiães, depois del Rey, pelo que se pode presumir ser obra sua. Ali viviam oitenta Frades de Missa, além dos Conversos, os quais em Lausperene assistiam continuamente no Coro de dia e de noite e com tão exemplar vida, que de todos eram chamados Santos e muitos faziam milagres pelo que se vinham aqui enterrar muitos príncipes, que lhe fizeram amplas doações. De três Infantes há noticia e de muitos fidalgos galegos, & portuguezes, Fernão Annes de Lima, pai do primeiro Visconde, está em sepultura levantada e magnífica com suas Armas junto da Capela de S. Sebastião. Tinha antigamente um banho, que por milagre de Nossa Senhora apareceu junto do Morteiro, e esta água era de tanta virtude, particularmente no dia do Bautista, que muitos doentes de várias enfermidades, e aleijoens incuráveis, que nele se vinham lavar, voltavam sãos. Mandou-se entupir há anos por mortes que houve entre os que haviam de entrar primeiro. Ainda hoje vem muitos buscar água, que dele emana e a levam a enfermos, que bebendo-a com fé , obra Deus por ela muitas maravilhas. Da imagem de S. Bento, que aqui está, e é visitada dos contornos em todo anno, particularmente em Teu dia, se contam grandes milagres. A fabrica deste Mosteiro, e celas dos Religiosos foi cousa grande, trezentos e tantos annos havia, que nele viviam estes Monges. Teve nesses tempos dois incêndios por desgraça, causa de sua total ruína, porque lhe queimarem os melhores títulos de suas rendas, com que se pôs em estado, que mal tem com que sustente oito frades, quanto mais para pagar à Capela Real quarenta mil reis, e vinte e cinco mil reis ao Convento do Desterro de Lisboa. Da primeira ruína o tirou a piedade Cristã de Afonso Paes, dois irmãos seus, que de novo o reedificaram e deram a Alcobaça. No ano de 1150 era tão grande a fama que corria da vida santa dos Frades Bernardos, que tinham vindo de França para este Reyno, que mandou o Dom Abade deste Mosteiro dois Monges ao de Alcobaça a pedir nova reformaçam dos institutos de Cister, e um Religioso para que melhor os instruísse pelo que haviam de obrar, ficando logo sujeitos àquela Real Casa, que de novo se ia edificando. Tanto que receberam a reforma, tomaram por Padroeira a Virgem Nossa Senhora, deixando a S. Christovão e se chama desde então Santa Maria de Feães, e em memória do grande gosto que tiveram de se mudarem a Bernardos, e da boa doutrina, que o novo Mestre lhes veio dar, puseram o nome de Alcobaça a uma aldeia arraiana, que então povoaram, e permanece. Donde seu princípio sempre teve Couto Cível, que lhe confirmaram EI Rey Dom Afonso Henriques, e seus sucessores; e o Dom Abade tem jurisdição Episcopal, Metropolitano imediato ao Papa, sem que o Arcebispo lhe visite os seus súbditos, e reconhece os Breves Apostólicos, ou o seu Provedor, que é hum Religioso da Casa, a quem o Abade escolhe, e deles appella para Roma, ou Núncio. A mesma jurisdição tem em Galiza no Bispado de Tuy além do rio Trancoso em dois lugares chamados Lapella e Azureyra, em que exercita a dignidade Episcopal por sentenças que teve cá e lá contra o Primaz, e Bispo, que ambos lho quiseram tirar, cousa que não sei haja em outra Diocese.”
Extraido de: Jornal “O Comércio do Porto”, edição de 13 de Dezembro de 1866.
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