quarta-feira, 2 de julho de 2014

Lendas de Melgaço XII: A Cidade dos Mouros em terras de Paderne



Cividade, Paderne


Cividade (Paderne), 1903...
"Por todo o território português, o povo atribui aos mouros qualquer ruína ou monumento arcaico: os mouros habitavam ali, o mouros fizeram aquilo. Na Cividade, em Paderne, acontece naturalmente o mesmo.
Dantes era a cidade dos Mouros. Depois o nome mudou-se em Cividade. Nunca o povo se cansa de inventar etimologias. Em volta do monte havia só Mourama. Aqui porém na Cividade, ficava a cividade deles. Assim, ouvi aos habitantes do lugarejo, que tanto tinham este em mente como o castro. Um fraco poeta popular da localidade dedicou ao assunto os seguintes versos:

O lugar da Cividade
No meio tem a Mourama
Eu também queria ver
Se arranjava uma madama...

Também se conta que na Cividade havia um buraco por onde se levavam os cavalos a beber a um regato próximo. É uma lenda comum a outros castros e a muitos castelos. Bem se sabe que os mouros gozavam e gozam fama de serem excelentes cavaleiros e o nosso povo não o esquece.
Com o viver dos mouros na Cividade se relaciona a tradição de que num local, que ainda se mostra, crescera alto e negro cipreste, que eles temiam muito por gerar escorpiões. Por tal motivo, deitaram-lhe fogo. Pois que o escorpião morde quem se lhe aproxima, dizem no Alto Minho, como provérbio:

Mordedura de escorpiom,
Procura o ferro e o lugom, (enxada em português arcaico)

entenda-se, para o matares! Tudo isto se resume nuns versos, feitos pelo mesmo rimador, que os entregou à tradição, d’ onde os colhi:

No lugar da Cividade
Havia um alcipreste,
Onde os Mouros duvidavam
Que se levantava a peste

No meio do alcipreste
Geravam-se escorpions
Donde diziam os Mouros:
Procura o ferro e os lugons.

Um dia os Cristãos, cansados da tirania dos Mouros, expulsaram-nos da Cividade:

Os Mouros d’ esta mourama
Já se acabaram todos,
Que se levantara a guerra,
E já lhe puzeram fogo...

Versos devidos à inspiração análoga à dos outros que até aqui tenho resumido. Neles se faz referência, segundo parece, aos vestígios de incêndio que, se descobrem nas ruínas do antigo castro. O povo é muito observador, não deixa escapar nada!
No momento em que os mouros se retiravam, um dos cavalos em que iam montados estampou uma pata num penedo da Cividade, que depois foi quebrado. Lendas de pegadas de animais ou de pessoas, como a presente no tesouro das nossas tradições populares.
Eis outras rimas de carater individual ouvidas da boca do povo e que copiei na Cividade:

Os Mouros d´esta mourama
Ja morreram sem cessão
Que eles já fugiram todos
Carregados de paixão.

Eles não queriam deixar
A sua naturização, (onde nasceram, na Cividade)
Preferiram morrer todos
Na sua patricação. (na terra de origem dos mouros)

Senhora d’ Agua de Lupe
Nem uma folha lhe destes:
Os Mouros da Cividade
Não faziam o que tu fizeste!

A Senhora de Guadalupe venera-se numa capelinha que fica perto do lugar de Crastos (a menos de um km), na freguesia de Paderne. O povo do Minho, sentimental como é, acrescenta: vinha o inimigo, isto é, os cristãos, em cima dos mouros e eles, coitadinhos, viraram-se para a senhora, sem os outros saberem, e pediram-lhe, mas em vão, que detivesse os contrários. A última quadra não passa de variante ad hoc de uma conhecida cantiga popular:

Fostes ao Senhor da Serra,
Nem um anel me trouxestes.
Nem os Mouros da Mourama
Fazem os que tu fizestes!

É curioso como os poetas populares aqui se apoderam da lendas, e as tornaram objeto de versificação, facto que não tenho observado com frequência, embora por toda a parte os versejadores da aldeia se inspirem em acontecimentos de ocasião, crimes, guerras, naufrágios, e os ponham em rima.
Temos ainda mais versos:

O lugar da Cividade
No meio de dois torrões
Onde os Mouros depositaram
As suas obrigações...

O povo explica que as “cozinhas” dos mouros eram debaixo dos “torrões”. Mas aqui deve ser torreões. Como as casas estão soterradas, o povo facilmente mudou torreão para torrão.
Os Mouros ao partirem, não levaram tudo consigo e deixaram alguma lembrança. Ainda hoje, na cozinha do Valente, lavrador da Cividade e numa lage que tem à porta se ouve em certa noite uma moura encantada tecendo um tear de ouro.
Conta-se que muitas riquezas ficaram também enterradas e escondidas em minas. O mesmo lavrador da Cividade de nome Valente era possuidor de um roteiro manuscrito da localização de riquezas escondidas naquele lugar. Diz que um dia encontrou dinheiro mas teve a má ideia de o emprestar. Logo um vizinho lhe aplicou esta sátira, que o povo repete sorrindo:

Encontraste a mina d’ ouro,
Mas deixaste lá ficar.
O que encontraste  dentro dela,
Já o deixaste escapar!

A par de roteiros em prosa, sempre cheios de fantasias, o povo conhece muitos em verso, de forma tradicional, que vai adaptando a cada localidade onde suspeita que se guardam tesouros, Na Cividade, copiei da boca do povo os seguintes, que são variantes uns dos outros:

Entre Coté e Cividé
Três minas é.
Uma de ouro e outra da prata,
E uma outra de veneno que mata.

Entre Côto e Arroté
E Cividé
Hai uma mina de ouro e uma de prata
E outra de veneno que mata.

Entre a Cividé e Arroté
Três minas é.
Uma de ouro e outra de prata,
E outra de rosalgar.

Coté por Côto, que designa um alto em que está a capela da Senhora de Guadalupe, a que já aludi. Arroté está por Arroteia, nome de um lugarejo de três ou quatro casinhas na mesma freguesia, abaixo de Crastos. Cividé é o mesmo que Cividé. O povo não explica a razão do desfiguramento dos nomes, só diz que eram esses os nomes no tempo dos mouros. Talvez assim se fizesse para lhe dar um caráter arcaico, e ao mesmo tempo para se fingir que os mouros, com tal Por todo o território português, o povo atribui aos mouros qualquer ruína ou monumento arcaico: os mouros habitavam ali, o mouros fizeram aquilo. Na Cividade, em Paderne, acontece naturalmente o mesmo.
Dantes era a cidade dos Mouros. Depois o nome mudou-se em Cividade. Nunca o povo se cansa de inventar etimologias. Em volta do monte havia só Mourama. Aqui porém na Cividade, ficava a cividade deles. Assim, ouvi aos habitantes do lugarejo, que tanto tinham este em mente como o castro. Um fraco poeta popular da localidade dedicou ao assunto os seguintes versos:

O lugar da Cividade
No meio tem a Mourama
Eu também queria ver
Se arranjava uma madama...

Também se conta que na Cividade havia um buraco por onde se levavam os cavalos a beber a um regato próximo. É uma lenda comum a outros castros e a muitos castelos. Bem se sabe que os mouros gozavam e gozam fama de serem excelentes cavaleiros e o nosso povo não o esquece.
Com o viver dos mouros na Cividade se relaciona a tradição de que num local, que ainda se mostra, crescera alto e negro cipreste, que eles temiam muito por gerar escorpiões. Por tal motivo, deitaram-lhe fogo. Pois que o escorpião morde quem se lhe aproxima, dizem no Alto Minho, como provérbio:

Mordedura de escorpiom,
Procura o ferro e o lugom, (enxada em português arcaico)

entenda-se, para o matares! Tudo isto se resume nuns versos, feitos pelo mesmo rimador, que os entregou à tradição, d’ onde os colhi:

No lugar da Cividade
Havia um alcipreste,
Onde os Mouros duvidavam
Que se levantava a peste

No meio do alcipreste
Geravam-se escorpiões
Donde diziam os Mouros:
Procura o ferro e o lugom.

Um dia os Cristãos, cansados da tirania dos Mouros, expulsaram-nos da cividade:

Os Mouros d’ esta mourama
Já se acabaram todos,
Que se levantara a guerra,
E já lhe puseram fogo...

Versos devidos à inspiração análoga á dos outros que até aqui tenho resumido. Neles se faz referência, segundo parece, aos vestígios de incêndio que, se descobrem nas ruínas do antigo castro. O povo é muito observador, não deixa escapar nada!
No momento em que os mouros se retiravam, um dos cavalos em que iam montados estampou uma pata num penedo da Cividade, que depois foi quebrado. Lendas de pegadas de animais ou de pessoas, como a presente no tesouro das nossas tradições populares.
Eis outras rimas de carater individual ouvidas da boca do povo e que copiei na Cividade:

Os Mouros d´esta mourama
Ja morreram sem cessão
Que eles já fugiram todos
Carregados de paixão.

Eles não queriam deixar
A sua naturização, (onde nasceram, na Cividade)
Preferiram morrer todos
Na sua patricação. (na terra de origem dos mouros)

Senhora d’ Agua de Lupe
Nem uma folha lhe destes:
Os Mouros da Cividade
Não faziam o que tu fizeste!

A Senhora de Guadalupe venera-se numa capelinha que fica perto do lugar de Crastos (a menos de um km), na freguesia de Paderne. O povo do Minho, sentimental como é, acrescenta: vinha o inimigo, isto é, os cristãos, em cima dos mouros e eles, coitadinhos, viraram-se para a senhora, sem os outros saberem, e pediram-lhe, mas em vão que detivesse os contrários. A última quadra não passa de variante ad hoc de uma conhecida cantiga popular:

Fostes ao Senhor da Serra,
Nem um anel me trouxestes.
Nem os Mouros da Mourama
Fazem os que tu fizestes!

É curioso como os poetas populares aqui se apoderam da lendas, e as tornaram objeto de versificação, facto que não tenho observado com frequência, embora por toda a parte os versejadores da aldeia se inspirem em acontecimentos de ocasião, crimes, guerras, naufrágios, e os ponham em rima.
Temos ainda mais versos:

O lugar da Cividade
No meio de dois torrões
Onde os Mouros depositaram
As suas obrigações...

O povo explica que as “cozinhas” dos mouros eram debaixo dos “torrões”. Mas aqui deve ser torreões. Como as casas estão soterradas, o povo facilmente mudou torreão para torrão.
Os Mouros ao partirem, não levaram tudo consigo e deixaram alguma lembrança. Ainda hoje, na cozinha do Valente, lavrador da Cividade e numa laje que tem à porta se ouve em certa noite uma moura encantada tecendo um tear de ouro. 
Conta-se que muitas riquezas ficaram também enterradas e escondidas em minas. O mesmo lavrador da Cividade de nome Valente era possuidor de um roteiro manuscrito da localização de riquezas escondidas naquele lugar. Diz que um dia encontrou dinheiro mas teve a má ideia de o emprestar. Logo um vizinho lhe aplicou esta sátira, que o povo repete sorrindo:

Encontraste a mina d’ ouro,
Mas deixaste lá ficar.
O que encontraste  dentro dela,
Já o deixaste escapar!

A par de roteiros em prosa, sempre cheios de fantasias, o povo conhece muitos em verso, de forma tradicional, que vai adaptando a cada localidade onde suspeita que se guardam tesouros. Na Cividade, copiei da boca do povo os seguintes, que são variantes uns dos outros:

Entre Coté e Cividé
Três minas é.
Uma de ouro e outra da prata,
E uma outra de veneno que mata.

Entre Côto e Arroté
E Cividé
Hai uma mina de ouro e uma de prata
E outra de veneno que mata.

Entre a Cividé e Arroté
Três minas é.
Uma de ouro e outra de prata,
E outra de rosalgar.

Coté por Côto, que designa um alto em que está a capela da Senhora de Guadalupe, a que já aludi. Arroté está por Arroteia, nome de um lugarejo de três ou quatro casinhas na mesma freguesia, abaixo de Crastos. Cividé é o mesmo que Cividé. O povo não explica a razão do desfiguramento dos nomes, só diz que eram esses os nomes no tempo dos mouros. Talvez assim se fizesse para lhe dar um caráter arcaico, e ao mesmo tempo para se fingir que os mouros, com tal desfiguramento, queriam desorientar os cristãos, e evitar que descobrissem as riquezas deixadas por eles.
O que se diz das minas de ouro, prata e rosalgar, é tradição muito corrente a respeito de outras ruínas: só em vez de mina de rosalgar (palavra aqui empregada por causa da rima) é mais frequente dizer-se mina de peste. 
Além dos versos que acima transncrevi, uns de caráter popular, outros de caráter individual, e apenas popularizados, colhi as três seguintes quadras referentes à Cividade, inteiramente tradicionais:

O lugar da Cividade
É lugar de poucos homes.
Esses pouquechinhos que hai,
Chamam – lhe os Remenda Foles.

A Cividade dos Mouros
Hei-de mandá-la doirar
Com pontinhas de alfinetes
Para o meu amor passear.

No lugar da Cividade
Me prometeram pancadas.
Queira Deus que não suceda
Quem mas prometeu, levá-las!

Na primeira delas, observa-se o curioso costume que tem o povo de dar alcunha à povoações, semelhantes à que dá aos indivíduos...
, queriam desorientar os cristãos, e evitar que descobrissem as riquezas deixadas por eles.
O que se diz das minas de ouro, prata e rosalgar, é tradição muito corrente a respeito de outras ruínas: só em vez de mina de rosalgar (palavra aqui empregada por causa da rima) é mais frequente dizer-se mina de peste.
Além dos versos que acima transcrevi, uns de caráter popular, outros de caráter individual, e apenas popularizados, colhi as três seguintes quadras referentes à Cividade, inteiramente tradicionais:

O lugar da Cividade
É lugar de poucos homes.
Esses pouquechinhos que hai,
Chamam – lhe os Remenda Foles.

A Cividade dos Mouros
Hei-de mandá-la doirar
Com pontinhas de alfinentes
Para o meu amor passear.

No lugar da Cividade
Me prometeram pancadas.
Queira Deus que não suceda
Quem mas prometeu, levá-las!


Na primeira delas, observa-se o curioso costume que tem o povo de dar alcunha à povoações, semelhantes à que dá aos indivíduos...


Extraído de: - VASCONCELOS, J. L. de (1933) – Castros lusitanos I. Cividade de Paderne. in: Revista Archeólogo Português.

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