As amas de leite e as amas de seco
Sem um limite temporal bem definido, o período de
aleitação deveria prolongar-se pelo menos durante um ano, embora a sua
interrupção acabasse muitas vezes por coincidir com o momento em que secava o
leite das amas.
Num sistema assistencial em que não era fácil comprovar
se as crianças estavam a ser ou não amamentadas, algumas das amas mais
conscienciosas, a quem secava o leite, decidiam levar as crianças à Roda a
Melgaço para que lhes fosse encontrada uma outra ama que desse continuidade ao
período de amamentação. Pelo contrário, as menos conscienciosas procuravam
ocultar tal facto para continuarem a receber os respectivos salários, uma
situação que poderia nunca vir a ser conhecida, por falta de uma adequada vigilância
dos médicos de partido ou porque essas crianças acabaram por falecer. Na realidade,
a sobrevivência dos expostos poderia ser abruptamente interrompida quando o
leite das amas era precocemente substituído por alimentos alternativos,
incluindo o leite de vaca ou cabra, mais ainda quando ministrado sem os
cuidados higiénico-sanitários aconselháveis.
Terminado o período de criação de leite, as crianças
passavam a ser criadas por amas de seco, geralmente as mesmas que as haviam
amamentado, por um período que se poderia prolongar até completarem os 7 anos
de idade. Assim, enquanto umas crianças apenas conheceram uma única ama, outras
acabaram por ter duas ou mais amas, independentemente de serem amas reais como
fictícias, uma consequência natural do complexo jogo de estratégias que se
foram desenvolvendo ao longo do processo de criação.
A mudança de ama poderia ser voluntária ou compulsiva. No
primeiro caso, seriam as próprias amas a pedir a substituição, por falta de
leite, incapacidade ou indisponibilidade, enquanto que a mudança compulsiva
seria o resultado do conhecimento público de maus tratos praticados por amas
negligentes ou por suspeitas de que fossem conhecidas dos familiares das
crianças e por eles “tratadas”.
Não se revelava fácil controlar todo o universo das amas
de alguns concelhos, tanto pelo seu elevado número, como pelo facto da sua
distribuição ultrapassar os limites administrativos do próprio concelho. Embora
alguns regulamentos previssem a realização periódica de “vistorias” às criações
e comportamentos das amas, estas nem sempre se realizavam ou apenas tinham uma
periodicidade trimestral, coincidindo com o acto de pagamento dos respectivos
salários.
Se a identificação das amas nem sempre foi uma tarefa
facilitada, mais difícil seria o controle das crianças expostas, muitas vezes
substituídas por outras, como forma de garantir os pagamentos. Sem marcas
identificadoras específicas, como aconteceu ao longo de quase todo o período
estudado, em consequência da resistência à implementação do “selo dos
expostos”, as irregularidades eram frequentes, como o procurámos demonstrar
nesta investigação.
Com a falta de amas de leite, a quem haviam falecido os
filhos ou terminado o período de amamentação, a alternativa passava pela
entrega dos expostos a mulheres que se dispusessem a partilhar o leite dos
filhos biológicos com os “filhos postiços”. Foi o que aconteceu com a Maria
José de Sousa, de 44 anos de idade, solteira, tecedeira, da freguesia de Penso,
do concelho de Melgaço, que, depois de lhe ter falecido o exposto que criava,
manifestou vontade em continuar inscrita como ama de seco ou voltar, mais tarde,
à condição de ama de leite, por se encontrar novamente grávida.
Numa outra situação, a ama Maria Joaquina da Gama, de 23
anos de idade, solteira, costureira, natural da freguesia de Alvaredo,
tendo-lhe falecido o exposto Boaventura, em 9 de Dezembro de 1860, acabou por
declarar não estar interessada em continuar inscrita como ama de leite, uma
intenção com que a câmara se conformou, «por suas circunstâncias não serem
as melhores para ama de leite, por se achar no estado de gravidez». Porém,
já depois do nascimento do filho, esta ama mostrou-se novamente disponível para
voltar a exercer a actividade de ama de leite, «visto já estar nas
circunstâncias de prestar leite, tendo a criança 4 meses completos».
Informações recolhidas em:
- PONTE, Teodoro Afonso (2004) - No limiar da honra e da pobreza - A infância desvalida e abandonada no Alto Minho (1698 - 1924). Tese de doutoramento; Universidade do Minho, Braga.
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