Capela da Orada (Melgaço) |
Numa publicação de 1890,
o “Archivo Histórico de Portugal”, faz-se referências ao tempo em que a capela
da Orada era visitada por numerosos romeiros devotos em séculos
anteriores. O autor conta-nos que “Tem
Melgaço um templo digno de menção, edificado sobre uma elevação sobranceira ao
rio Minho, o qual, como se sabe, separa esta villa do reino vizinho. O atrio
d’este é atravessado por uma estrada, que vindo da povoação parte para a
Galliza.
O templo, da invocação
de Nossa Senhora da Orada, é construído de boa cantaria e foi até 1834 da
jurisdição dos monges do Convento de Santa Maria de Fiães. Desde a egreja à
povoação é a estrada ladeada de formosas hortas, pomares, fontes abundantes de
magníficas águas, vistosos campos e casas, o que dá o mais alegre e grato
aspeto do sítio.
Do dia da Ascensão até
ao domingo do Espírito Santo era outrora muito concorrida a estrada pelos romeiros
do concelho de Melgaço, Valladares e Monção, os quais iam oferecer à Virgem da
Orada o resíduo pascal, lavando cada freguesia os seus párocos, e ao menos uma
pessoa de cada família.
Tinham estas romagens um
voto que os povos das mencionadas freguezias fizeram durante uma terrível
epidemia de peste, que, tendo assolado e
deixando desertas inúmeras povoações, áquelas não havia causado o mínimo damno.
Hoje, conquanto ainda
tenha devotos, não é a egreja procurada como d’antes. A civilização fazendo
pouco a pouco no espírito humano tem-lhe ensinado que o verdadeiro templo é a
consciência próprio, que todos devem honrar e respeitar como um sanctuário que
Deus nos collocou dentro do peito.”
Existe também uma lenda
popular alusiva à Senhora da Orada e que remonta ao período da peste. Sendo verdadeira ou não, ajuda-nos a perceber a origem da extrema devoção à Orada nesta região. A lenda diz-nos que "Corria o ano da Graça de
Nosso Senhor de 1569, e pelas terras do vale do Minho espalhava-se a peste. Em
todas as freguesias as pessoas estavam apavoradas com o terrível flagelo. Ricos
e pobres eram atacados por um grande febrão, e ninguém parecia escapar a esta
desgraça. Cheios de pavor e de fé, todos se voltavam para os santos, pois só a
eles parecia restar o poder para debelar tão grande infortúnio.
Por essa altura, morava
no lugar da Assadura, junto da Senhora da Orada, Tomé Anes, mais conhecido como
o "Vira-Pipas", pois andava sempre com uma malguinha a mais. Tomé
Anes era uma figura alegre, mas um pouco desbocada, quando importunado com a
alcunha. Para além de urnas pequenas leiras que amainava, Tomé limpava e
arrumava a capela da Senhora da Orada, trabalho que fazia com muito
desvelo e devoção.
Numa certa manhã, como
de costume, Tomé foi arranjar a capela. Como era ainda cedo, só tinha tomado o
seu «mata-bicho», lá em casa, e uma pequena malga de vinho na tasca da
Mirandolina. Chegado à capela, o "Vira-Pipas" quase morreu de susto,
pois a imagem da Senhora da Orada não estava no seu lugar, nem em qualquer
outro! Vezes acontecia que chegava a ver duas ou três imagens da Senhora,
quando a borracheira passava do normal. Não ver nenhuma assustava-o seriamente.
Cego não estava! Ainda perguntou à imagem do Senhor S. Brás pela ausente, mas
como este não respondeu, pensou que teriam sido os Galegos os autores de tão
vil afronta.
Furioso saiu o
"Vira-Pipas" em direcção à vila de Melgaço para comunicar o sucedido
ao Alcaide, e disposto a juntar o povo para enfrentar tal desfeita. Ia o Tomé
nestes propósitos pela via romana, quando o chamaram da casa do Arrocheíro para
dar uma ajuda na trasfega do vinho. Este era trabalho a que nunca se negava o
Tomé, já que entre o passar dos cabaços do vinho lá ia bebendo uma pequena
malga do apreciado líquido. Depois de muito bebido e comido, deixou-se o
"Vira-Pipas" levar pelo sono, de modo que já só noite dentro acordou
e contou o sucedido para os lados da Orada ao seu amigo. Conhecendo os hábitos
do Tomé, este só se riu, não acreditando em tão fantasiosa história. Mas como o
Tomé insistia tanto, concordou em confirmar o acontecido com uma visita à
igreja. Ao entrarem, verificaram que a imagem da Virgem estava no seu lugar. O
único surpreendido era o "Vira-Pipas"!
No dia seguinte, muito
envergonhado, decidiu o Tomé ir à Senhora da Orada mais cedo do que era
costume. Para testar as suas capacidades, num grande esforço, não bebeu a sua
malguinha de vinho, nem o imprescindível «mata-bicho»! Chegou até a meter a
cabeça debaixo da fonte, para dissipar os possíveis vapores alcoólicos do dia
anterior.
Na capela verificou que
só estava o menino Jesus, sentado, com aquela cara de choro que toda a criança
tem quando a mãe não o leva ao colo. Tomé ficou abismado, sem saber o que
fazer. Com medo que se rissem dele, não contou a ninguém, preferindo
entregar-se ao trabalho, ao ponto dos conhecidos ficarem admirados com tal
dedicação. De manhã e à noite ia à capela, e verificou que a senhora da orada
voltava à noitinha. Umas vezes levava o menino, outras não. Só o Tomé sabia
destas fugas, e pressentiu naquele mistério uma grande responsabilidade. Não
lhe passava da ideia o que lhe acontecera, julgando-se destinatário de uma
mensagem da Senhora para que abandonasse o consumo do álcool. Por isso, começou
a diminuir no vinho, o que a todos surpreendeu!
Enquanto isto sucedia ao
pobre do Tomé, em Riba de Mouro no concelho de Monção, os habitantes viraram-se
para a milagrosa Senhora da orada a fim de se livrarem da mortífera peste, que
por aqueles anos assolava toda a região. Para agradar à Senhora, prometeram uma
romagem anual à capela.
Depois de aparecerem os primeiros casos, surgiu na dita freguesia uma senhora, muito bonita e educada, que dizia saber como tratar aquela doença. Ninguém sabia donde ela viera. Entrava na casa das pessoas doentes, mandava fazer um chá com uma planta que trazia no alforge, e, juntando outras ervas, mandava preparar um banho que ela própria passava no corpo do doente, fosse mulher, criança ou homem. Recomendava às pessoas que se lavassem com ervas de Santa Maria e folhas de sabugueiro, que defumassem as casas com alecrim, e lavassem as roupas amiúde. A bondosa dama não tinha mãos a medir! De manha até à noite, não parava de atender os doentes. Não comia nem aceitava convite para ficar à noite com eles. Quando trazia um menino, que dizia ser seu filho, este ajudava a descobrir a erva de Santa Maria e os sabugueiros que o povo não sabia onde mais encontrar.
Depois de aparecerem os primeiros casos, surgiu na dita freguesia uma senhora, muito bonita e educada, que dizia saber como tratar aquela doença. Ninguém sabia donde ela viera. Entrava na casa das pessoas doentes, mandava fazer um chá com uma planta que trazia no alforge, e, juntando outras ervas, mandava preparar um banho que ela própria passava no corpo do doente, fosse mulher, criança ou homem. Recomendava às pessoas que se lavassem com ervas de Santa Maria e folhas de sabugueiro, que defumassem as casas com alecrim, e lavassem as roupas amiúde. A bondosa dama não tinha mãos a medir! De manha até à noite, não parava de atender os doentes. Não comia nem aceitava convite para ficar à noite com eles. Quando trazia um menino, que dizia ser seu filho, este ajudava a descobrir a erva de Santa Maria e os sabugueiros que o povo não sabia onde mais encontrar.
Entretanto passaram-se
quarenta dias, e a peste abrandou. Poucas pessoas sobreviveram ao flagelo, mas
em Riba de Mouro ninguém morreu! A senhora que tinha ajudado a população
desapareceu tal como havia surgido. Todos se perguntavam agora sobre a
identidade daquela misteriosa senhora. Alguém se lembrou, então, que a roupa, e
até a fisionomia, eram iguais à da Senhora da Orada!
Nesta certeza, logo
partiram em romaria ao seu santuário, agradecendo a protecção. Vendo tal
devoção e escutando o sucedido, o Tomé entendeu rapidamente o que lhe tinha
sucedido e resolveu contar a todos os desaparecimentos da Senhora naqueles dias
anteriores. Agora, todos acreditaram! Os romeiros partiram, espalhando o relato
do milagre por todas as freguesias."
Como já foi referido,
esta devoção à Senhora da Orada foi-se perdendo ao longo dos tempos e no final
do século XIX, o número de romeiros visitantes já não era significativo.
Informações extraídas de: Archivo historico:
narrativa da fundação das cidades e villas do reino, seus brazões d'armas, etc.
(1890), 2ª Série, Typ. Lealdade, Lisboa.
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