As amas negligentes e madrastas
O facto do número de crianças expostas ser superior ao
número de amas disponíveis nesta região, acabou por se revelar altamente prejudicial para as
primeiras, ao mesmo tempo que impossibilitou uma filtragem selectiva das
candidatas a amas, excluindo do sistema todas as mulheres que não garantissem a
sua boa criação. Efectivamente, esse crescente desequilíbrio entre a oferta e a
procura acabou por abrir espaço ao aparecimento de algumas amas mercenárias,
que alguns investigadores não hesitaram em apelidar de “madrastas” e,
até, de “assassinas”.
Enquanto não foi implementado o sistema de matrícula das
candidatas a amas – o que apenas se veio a operacionalizar na segunda metade do
século XIX – a recomendação de que se procedesse à entrega das crianças
expostas às amas, num prazo máximo de três dias, abrindo caminho às amas menos
responsáveis, sempre à espreita de qualquer oportunidade para angariar algum
dinheiro. Sendo assim, o problema da falta de amas teria de ser ultrapassado
pela contratação de mulheres candidatas ao exercício do cargo, mas muito pouco
conscienciosas. Estas terão sido responsáveis pela morte de muitas crianças
expostas, por negligência ou pela falta de prestação dos cuidados
higiénico-alimentares que seriam indispensáveis à sua sobrevivência.
Estas causas, conjuntamente com as doenças hereditárias,
a falta de uma rápida aplicação dos remédios próprios, bem como as situações de
abandono em que eram deixadas as crianças, enquanto as amas se ocupavam dos
trabalhos agrícolas, seriam as principais responsáveis pela mortalidade
registada entre os expostos.
Depois de já se ter, aqui neste blogue, relatado histórias onde algumas amas que deixaram
morrer muitos dos expostos que criavam, é importante também registar alguns casos
de flagrante negligência das amas, simultaneamente com uma certa inoperância do
sistema vigente.
São casos que nos colocam perante uma atitude de
resignação e conformismo, face à elevada mortalidade dos expostos, em contraste
com a tão propalada mentalidade iluminista e populacionista.
Depois de se haver inscrito como candidata a ama na
administração municipal de Melgaço, foi entregue a Ana Rita Martins, natural da
freguesia de Paderne, solteira, lavradeira, com 30 anos de idade, o exposto
José Maria, no início de Novembro de 1860. Contudo, em acto de revista,
realizado no dia 1 de Setembro de 1863, verificou-se que o menino, não obstante
já ter 3 anos de idade, ainda não andava nem se movia gatinhando. Depois de
averiguar as razões de tal estado, descobriu-se que tal paralisia se ficaria a
dever ao facto da ama o conservar sem qualquer exercício e sempre no berço, deixando-o
só em ocasiões em que saía de casa, eventualmente para continuar a exercer a
actividade agrícola. Como penalização, foi-lhe retirada a criança, sendo
riscada do livro de matrículas, «atenta a falta de cumprimento do seu dever».
Em 1 de Junho de 1879, Maria Luisa Gomes, solteira,
jornaleira, de 23 anos de idade, natural de freguesia de Paderne, matriculou-se
como ama dos expostos do concelho de Melgaço. Algum tempo depois, esta ama «foi
banida de tal exercício, pois sendo má mãe, não pode ser boa ama», depois
de se verificar que havia fugido e deixado o filho a uma outra mulher.
Também verificámos que algumas mulheres se inscreveram
como amas para poderem criar os próprios filhos, subsidiados pelas câmaras, por
viverem numa situação de extrema pobreza. No entanto, mesmo nestas situações,
os abusos eram frequentes. Veja-se o que aconteceu com a ama Felicidade
Esteves, de 21 anos de idade, solteira, jornaleira, natural da freguesia de
Gávea, concelho de Melgaço, inscrita em 1872, para «ser ama da filha Rosa
Lina, admitida como subsidiada». Em 1878, a câmara de Melgaço deu-lhe por
terminado o período da criação, «visto ela continuar, além de já ter tido
outro filho, em vida abusiva», aplicando incorrectamente os subsídios que recebia
do cofre do distrito, por se ter verificado que a sua filha estava a viver com
a avó.
Informações recolhidas em:
- PONTE, Teodoro Afonso (2004) - No limiar da honra e da pobreza - A infância desvalida e abandonada no Alto Minho (1698 - 1924). Tese de doutoramento; Universidade do Minho, Braga.
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