sábado, 26 de abril de 2014

Cevide (Melgaço), 1813 - De um crime bárbaro a uma sentença exemplar


Foi considerado na época como um dos crimes mais audazes que possam cometer-se. Um homem de nome Barros fora à romaria de S. Bento, a 11 de Julho de 1813, e dentro da igreja, na ocasião em que se estava celebrando o sacrifício divino, deu, sem causa conhecida, um bofetão no espanhol Basílio Esteves. Frei Luiz Rodriguez repreendeu-o com razão. Mas o Barros enfureceu-se por isso a tal ponto, que, associado logo aos co-réus Francisco Durães e Caetano Velloso atacaram, todos armados, o clérigo. Então este, em sua justa e necessária defesa, foi obrigado a lançar mão de um pau que trazia Luiz António Simão, e da desordem que se seguiu, ficaram levemente feridos os réus Barros e Durães.
Desde esse momento, o Barros e os outros ofendidos preparam a vingança, e correu d'ella o rumor, por forma que Frei Luiz e até o comandante d’Al’arma o participaram por dois ofícios ao juiz de fora de Melgaço, pintando-lhe o risco que corria a vida do clérigo, e pedindo-lhe providências, que ele parece não ter dado, com o que de certo evitaria o crime.
Na noite de 9 para 10 de Outubro de 1813, passam o rio na barca de Cevide, o Barros e seus cúmplices. Chegam ao lugar do Crecente, e, entrados numa taberna, espreitam a ocasião de levar a cabo a maldade. A um sinal dado dirigiram-se, entre as oito e nove horas da manhã, à igreja. Avista-os a vítima, correm ao altar, onde então celebrava cerimónia religiosa, e muito povo assistia. Toma nas mãos uma hóstia ainda não consagrada, e roga-lhes por Deus que o não matem!
Mas a fereza dos algozes não se aplaca, mesmo ao pressuposto de grave ofensa à Divindade. Descarregam logo ali os primeiros golpes sobre o desgraçado, arrastam-no do altar até à porta travessa, e acabam com ele, regressando depois a Portugal pelos mesmos passos. Parece terem sido activíssimas as diligências por parte das autoridades dos dois países para o castigo dos malvados, que não foram logo presos. Dois dos criminosos somente foram capturados a 8 de Novembro de 1813, em Lisboa, onde os entregaram à prisão uns gallegos de Crecente que os conheciam.
Depois de vários recursos, os criminosos foram julgados pelo Tribunal de Relação do Porto. Os juízes referem que este crime bárbaro não devia ficar impune. Choca-os o facto de os réus terem saído armados, invadindo o reino vizinho e aliado para consumar nele este crime atroz de vingança.
A sentença manda executar a pena no Campo da Alameda, fora da porta do Olival, no Porto. Que sejam cortadas as mãos e cabeça a todos os réus, depois de enforcados. Depois disso, manda a sentença que sejam levados os seus corpos pelo executor de alta justiça ao lugar de Cevide (Cristóval – Melgaço), no sitio em que embarcaram os mesmos réus. Aí, os seus corpos serão pregadas em postes altos, onde serão conservadas até que o tempo consuma os seus cadáveres, para que seja nestes reinos, e rios de Espanha, patente aos povos a justa pena do atroz delito que os mesmos réus perpetraram em ofensa e escândalo publico.
José Romão Esteves, espanhol, residente em Portugal, barqueiro que os passou, foi absolvido por se não provar que tivesse conhecimento de que os réus iam perpetrar um crime.

Informações extraídas de:
- SECCO, António Luiz de Souza Henriques, (1880) - Memórias do tempo passado e presente para lição dos vindouros. Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra.

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