sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

A freguesia de Cubalhão (Melgaço) no tempo dos nossos antepassados




A freguesia de Nossa Senhora da Natividade de Cubalhão tem origem antiga e foi curato da apresentação anual dos cónegos regrantes do Mosteiro do Divino Salvador de Paderne. No séc. XIII, Cubalhão não aparece referenciada como freguesia.
Em 1567, Cubalhão foi elevada a paróquia dependente de Paderne por D. Frei Bartolomeu dos Mártires. A este propósito, no livro “Santuário Mariano”, publicado em 1712, refere-se que “Pelos tempos adiante, indo visitar aquelas igrejas o Venerável Arcebispo de Braga Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, visitando a Ermida da Senhora [da Natividade], a erigiu em paróquia, compadecido do trabalho que tinham aqueles moradores em ir ouvir missa ao Mosteiro de Paderne. Porque com a manifestação da Senhora se havia povoado muito aquele lugar e sítio de Cubalhão. Também nomeou o mesmo arcebispo a Senhora Padroeira do lugar, com o título de Nossa Senhora da Natividade e mandou que aos 8 de Setembro se lhe fizesse a sua festividade.” (…)
No mesmo livro, fala-se de uma lenda antiga e menciona que “é tradição constante, contínua e muito antiga naquela freguesia, que em tempos antigos, no lugar onde se vê edificada a sua igreja, eram campos e pastos dos gados de um lavrador do mesmo Couto de Paderne que, andando naqueles campos pastoreando o gado um seu filho pequeno, dissera este ao seu pai que lhe aparecera uma Senhora muito fermosa. Com esta notícia, foram ao mesmo lugar examinar o que o rapaz pastorinho referia e que nele acharam uma imagem de Nossa Senhora de pedra, com o Menino Deus encostado ao peito esquerdo e que a imagem da Senhora não tinha braços. E que no mesmo lugar se lhe edificara Casa”.
No início do século XVIII, a freguesia de Cubalhão é citada no livro “Corografia Portugueza” do Padre Carvalho da Costa e publicado em 1706 nestes termos: Nossa Senhora de Cubalhão, Curato do mesmo Mosteiro, rende trinta mil réis, e para os Frades [do mosteiro de Paderne] sessenta mil réis. tem oitenta vizinhos. Esta Imagem de Nossa Senhora he de pedra, e muy milagrosa. Ha aqui hum tio, a que chamam o Castro, que mostra ser fortificação antiga dos Romanos. (Carvalho da costa)
Um importante documento que nos dá um retrato de Cubalhão em meados do século XVIII é o das Memórias Paroquiais. Em 1758, a 23 Maio, segundo o cura Manuel Gonçalves nas Memórias Paroquiais, a freguesia pertencia ao couto de Paderne, termo de Valadares, comarca de Valença, Arcebispado de Braga, sendo terra do Infante D. Pedro. A freguesia tinha “121 vizinhos, 49 casados, 52 viúvos e solteiros e 357 pessoas de sacramento”. Confiando nestes dados, notamos que houve significativo aumento da sua população entre o início deste século e meados da mesma centúria.
Em 1758, o pároco desta freguesia escreveu que a igreja de Santa Maria de Cubalhão, com orago de Nossa Senhora da Natividade, ficava no meio do lugar, tinha naquela época, três altares, o altar-mor e dois colaterais, um de Santo António e outro de São Sebastião. O pároco era cura anual, apresentado pelos padres de Paderne e tinha de ordenado 8$000. A freguesia estava sujeita à justiça cível do couto de Paderne e o crime à vila de Valadares e também ao ouvidor de Valença. Não tinha correio, servindo-se do de Monção. O pároco menciona ainda que na época “frutos desta terra he centeio e milho pequeno e milho grosso e linho e feijão”. Refere ainda que esta freguesia na época estava “poboada de tojos e carquejas”, acrescentando que “nesta serra anda gado vacum e obelhas e cabras e cria perdizes e coelhos e algumas corsas, lobos e raposas e jabalis”. O pároco refere-se ao clima em terras de Cubalhão e menciona que “he no Verão quente e no inberno muito fria por causa dos temporais e neves que nella permanecem quinze dias e mais”.
Relativamente ao rio Mouro que cruza a freguesia, o pároco refere que “nasce na Portella do Lagarto, freguezia de Lamas de Mouro e nasce por várias fontes.” Ainda em relação a este curso de água, refere-se que “todo corre fragoso e corre todo o ano”, sendo que nas suas margens, na época, “todo he “todo he silvestre de arboredo, urzes e silvas, só o lugar de Além e Cortelhas que dá milho grande e delle tiram prezas para muinhos e campos”.
Em termos administrativos, Cubalhão pertenceu à comarca de Monção e concelho de Valadares até 1855. Neste ano, pelo Decreto de 24 de Outubro, este concelho foi suprimido, passando só nesta altura a integrar o de Melgaço.
Ainda no século XIX, a freguesia de Cubalhão é citada no livro “O Minho Pittoresco” onde lhe é dedicado um parágrafo e nele podemos ler: “Tomando a estrada antiga que de Castro Laboreiro seguia para esta villa sobre a margem direita do rio de Mouro, mas já em plena serra, encontra-se na confluência d'essa estrada com a que segue para Melgaço, CUBALHÃO, que outrora pertenceu também ao concelho de Valladares e foi curato do mosteiro de Paderne, recebendo o cura apenas os benesses.
No sitio do Crasto encontram-se vestígios de fortificação antiga, que, por não estudados ainda,não se sabe a que época atribui-los, sendo porém provável que sejam mais um marco da civilização romana na península. A freguezia é apenas fértil em centeio.”
Atualmente, a freguesia de Cubalhão encontra-se unida à de Parada do Monte.



Informações extraídas de:
- COSTA, Padre António Carvalho da (1706) - Corografia Portuguesa, tomo I, Valentim da Costa Deslandes, Lisboa;
- SANTA MARIA, Frei Agostinho de (1712) – Santuário Mariano e História das imagens milagrosas de Nossa Senhora. Tomo IV; Oficinas de António Pedrozo Galram; Lisboa.
- VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, Tomo I, Livraria de António Maria Pereira-Editor, Lisboa.


sábado, 21 de dezembro de 2019

Chocolates e muito mais num jornal de Castro Laboreiro de há 100 anos atrás




Há cerca de 100 anos, publicava-se em Castro Laboreiro um jornal chamado “A Neve”. Este era propriedade da família Carabel, donos também da célebre fábrica de chocolates castreja, fundada em 1908.
Entre outros artigos de interesse, lá podemos encontrar uma secção de publicidade, dedicada sobretudo a estabelecimentos comerciais de Castro Laboreiro. Entre os anúncios que por lá podiamos ver, encontramos os dedicados aos chocolates fabricados em terras castrejas, alguns deles, deveras curiosos. Um deles contem estes dizeres: “Quereis um bom casamento? - Tomai o chocolate da afamada fábrica “Caravelos” de Castro Laboreiro que atrai a simpatia”. 




Há um outro anúncio também bastante curioso que diz o seguinte: “Quereis engordar em pouco tempo? Tomai todos os dias chocolate da afamada fábrica “Caravelos” de Castro Laboreiro”.



Podemos ver ainda um que nos conta algo acerca da fábrica:

À Espanhola
Fábrica de chocolates movida à força hidráulica, fundada em 1908 e reconstruida em 1919. Chocolates fabricados pelos últimos sistemas adotados em Madrid e Barcelona: cacau, caraca, açúcar, canela, baunilha e uma pequena quantidade de manteiga de vaca.”




Encontramos ainda outros anúncios, uns dedicados a estabelecimentos de Castro Laboreiro, outros dedicados a casas de Melgaço e Prado.












sábado, 14 de dezembro de 2019

Notas de uma viagem a Melgaço em 1946




Nos anos 40 do século passado, os tempos eram de muitas dificuldades em Melgaço e na generalidade do nosso país. Em 1946, a nossa terra recebe uma visita muito especial, o Padre Américo, fundador da Casa do Gaiato e da Obra da Rua, uma das obras sociais mais meritórias alguma vez criadas no nosso país, dedicada às crianças. O Padre Américo conta-nos alguns pormenores dessa sua viagem à nossa terra num artigo na publicação “O Gaiato”, revista da sua obra social com o título De como eu fui a Melgaço: “Fui sim senhor. Um sacerdote dali, pediu-me que fosse à vila dizer da Obra da Rua e eu não me fiz rogado. Foi num domingo. Cheguei às catorze e quê e logo me dirigi à igreja dum convento que fora de frades franciscanos.
Como os conventos arruinados não falam à alma da gente!
Se ao menos houvesse uma força que os destruísse como a houve para os arruinar, eles hoje não se queixariam, nem nós os chorávamos. Não existiam e acabou-se. Mas não. Eles estão.
O povo da vila e aldeias esperava. Crianças pediram, no fim. Com o ser moedas pequeninas, a soma foi tida por considerável, para os costumes da terra. Notava-se um mar de garotos na assistência.
Farrapões autênticos. Rapazes abandonados.
Que será isto, dizia eu com os meus botões?!
Uma vila tão pequenina, e tantos filhos sem pai - que será?! Entrado que fora na casa aonde me quiseram instalar, e que bem, começa a vir uma bicha de Mães em cata do tal padre que recebe meninos. Era eu. Passou palavra, e aquelas Mães facilmente acreditavam, que essa era a minha missão. “Leve-me este”! Eram chusmas. Rapazes fortes, sadios, muito sujos, todos repelentes.
As mães da mesma sorte. Nunca tal vira!
No dia seguinte, o. Senhor aonde pernoitei, quis que eu fosse até S. Gregório, ver onde é que Portugal começa. Fomos. O amigo Pires também foi. O Pires é o mecânico da terra, chamado para tudo, por todos, desde Melgaço até Monção.
E' um homem de rara habilidade, sempre pronto a servir. O nosso jornal tem nele um amigo. Não assina, mas lê um que lhe emprestam e faz comícios!
O Pires guiava. Em 10 minutos chegamos.
Lá estava a ponte, guarda de cá guarda de lá, a dizer que portugueses e espanhóis não são tão irmãos, como praí se afirma. Pires apontou uma casa lá no fundo, mesmo à beirinha do Minho:
-Sabe de que é feita aquela casa?
-Sei sim senhor. É de pedra e cal.
-Não é não senhor.
- ?!
É feita de sabão e de bacalhau!
E o meu amigo, conta de como o dono dela, pedreiro que era, passou a senhor. Como aquele, muitos outros por ali. Contou-me coisas negras do comércio negro, e foi então que eu dei no vinte. Compreendi num instante a presença de inúmeras crianças abandonadas na vila de Melgaço.
Abandonadas da família que é justamente o pior dos abandonos. É o sangue a repelir o sangue.
Já cá se sabia há muitos séculos que a ambição dos homens gera necessariamente a miséria.
Já se sabia, mas ele é bom que o povo dê estas lições ao mundo,· para bem dos que não acreditam na lição do Evangelho. Para que esses vejam e acreditem e se convertam à Pobreza.
O Evangelho também é pregado na vila de Melgaço, à moda dos seus habitantes. Ouvi eu.
As mulheres diziam assim: Padre, porque esta nossa gente se ocupa no comércio negro, é que nós lhe trazemos estes filhos assim, sem pai!
Comércio negro! Casas feitas de bacalhau e de sabão! Quantas delas, sepultura dos seus donos.
Como gosto eu do qualificativo negro! É o mesmo que se atribui à cor da fome, à cor da morte!
Desgraças de mãos dadas!"



Extraído de:
- Revista "O Gaiato", edição de 28 de Dezembro de 1946.

sábado, 7 de dezembro de 2019

Quando o Convento das Carvalhiças (Melgaço) foi comprado (1839)




A vida do Convento das Carvalhiças em Melgaço foi curta. Foi começado a construir em 1748. Em 1834, foi extinta a comunidade de frades franciscanos no Convento das Carvalhiças. Enquanto a igreja ficou como propriedade da Ordem Terceira de São Francisco de Melgaço, a parte do convento foi leiloada em hasta pública, sendo comprada por um padre natural de São Paio de Melgaço, o reverendo António Gomes da Cunha. Pouco tempo depois, este foi queixar-se ao administrador distrital de Viana por causa de ”factos violentos” praticados pelo administrador do concelho no Convento das Carvalhiças e que aqui expõe: O reverendo António Bernardo Gomes da Cunha, Cavaleiro Professo na Ordem de Cristo, e abade da freguesia de São Paio de Melgaço, não pode deixar de levar à presença e conhecimento de Vossa Excelência os violentos factos praticados na sua propriedade pelo Administrador do Concelho de Melgaço. Tendo o representante arrematado o edifício do convento de Santo António de Melgaço, e dele tomado posse, e em que habita, requereu ao Governo para mandar fechar as portas que comunicavam a Igreja com o Convento; mandou Sua Majestade fechar esta comunicação: cuja ordem Vossa Excelência transmitiu ao Administrador deste concelho para a cumprir. Acontece que indo este para cumprir a ordem exorbitou dos seus limites por paixão e sinistros fins particulares; querendo fazer repartimentos na casa do suplicante para o coro e púlpito; fechou as portas dos claustros; fazendo-os despejar, e considerando os como pertenças da Igreja e sagrados por juízo de três sacerdotes, que para isso mandou chamar, querendo desta maneira tornar sagrado aquilo que está legitimamente profanado, e é pertença do edifício, e não da Igreja! Fechou várias portas, que dão serventia do claustro para o edifício, para a casa da hospedaria, e outras casas baixas, etc., e não fechando aquelas que dão comunicação para a Igreja, e desta para o edifício, que são as que a Ordem de Sua Majestade lhe manda fechar, e não as que dão serventia para o edifício e casa do representante. Estes excessos, Excelentíssimo Senhor, cometeu este Administrador no dia 5 do corrente, fazendo e introduzindo, para os cometer, carpinteiros e vários homens em casa do representante; chegando até a dar-lhe a voz de preso à ordem de Sua Majestade por lhe dizer que não consentia que em sua casa se fizessem repartimentos e obras sem sua licença; não lhe embaraçando, que fechasse aquelas portas que devia fechar; que eram só as que comunicam a Igreja com o convento e este com a Igreja e que este era o sentido literal e espírito da Portaria de Sua Majestade. Porém, todos estes violentos excessos e procedimentos são filhos da inveja, e malevolência, que tem ao suplicante por ele ter comprado os bens dos extintos frades; por quem quase todo este Povo ainda suspira! Além disto, também procede isto do representante não consentir de que não passe pelo claustro a procissão da quinta-feira santa, que no tempo dos frades passava. Por cuja continuação instam, e trabalham de conluio todas as autoridades deste concelho, e a Misericórdia; querendo atacar e violar com um uso ou costume por sua natureza extinto, a propriedade deste representante que a arrematou em hasta pública à Fazenda Nacional, que não pode nem deve enganar. Nestas circunstâncias torna-se este Administrador (e todas as mais autoridades) deste concelho muito e muito suspeito ao suplicante. Portanto, digne-se Vossa Excelência mandar que este Administrador feche só as portas que comunicam a Igreja com o edifício do Convento: que é justamente o que Sua Majestade manda na indicada Portaria, e que se abstenha de praticar violências e excessos de tal natureza, ou então haver Vossa Excelência por bem mandar, que qualquer dos Administradores dos Concelhos mais vizinhos vá cumprir a Real Ordem de Sua Majestade na forma da mesma (...).
Melgaço, 12 de Agosto de 1839
Como procurador José Manuel Gomes de Sousa”
A resposta a esta exposição por parte do pároco de S. Paio é bastante clara por parte do administrador distrital de Viana e manda o seguinte: O Senhor Administrador do Concelho, cumprindo fielmente a portaria remetida por cópia, limite-se a tapar unicamente, todas as portas que dão comunicação da Igreja para o edifício do Convento, sendo só pertenças da Igreja e Sacristia e não os claustros.
Viana, 13 de Agosto de 1839
O Administrador Geral Interino Vasconcelos”

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

A vila de Melgaço nos anos 30 num curto mas raro filme




Vamos recuar no tempo mais de 80 anos e fazer uma visita à vila de Melgaço nos anos 30. Neste pequeno filme, podemos ver em raras imagens da época, alguns pormenores da vila de Melgaço, algures na década de 30 do século passado. Vê-se o atual edifício da Câmara Municipal de Melgaço, construído a partir de 1930, bem como os Paços do concelho. Vê-se também a torre de menagem ainda com o relógio antes das obras de conservação efetuadas aquando da comemoração do 3º centenário da restauração da independência, entre outros interessantes pormenores.
Viaje no tempo...


sábado, 23 de novembro de 2019

A disciplina militar sobre os soldados melgacenses na Primeira Grande Guerra em França





A Primeira Grande Guerra (1914-1918) mobilizou mais de 50 mil soldados portuguesas para a frente europeia. Melgaço contribuiu com mais de 70 filhos da terra que combateram na Flandres (França).
Como sabemos, a participação portuguesa foi dramática, fruto de uma rápida mas muito deficiente preparação dos soldados e a instável situação política em Portugal na época. A moral das tropas foi-se degradando com o passar do tempo e episódios de indisciplina e insubordinação por parte dos soldados foram-se tornado cada vez mais uma constante. Em relação aos soldados melgacenses, os registos contam-nos que alguns deles protagonizaram episódios de insubordinação, outros simplesmente envolveram-se em episódios algo caricatos próprios de homens que não compreendiam a disciplina militar, especialmente em tempo de guerra.
Um dos soldados melgacenses mais vezes punidos durante a sua permanência na frente de guerra foi Alfredo Soares, natural do lugar da Costa, na freguesia de S. Paio. Já em França, no cenário de guerra, foi punido em 12 de Agosto de 1917 pelo “Senhor Comandante da Companhia com 8 dias de detenção por ter saído da forma sem autorização quando a companhia se dirigia para o local de instrução de noite e ter recolhido o quartel da sua companhia”. Dois dias depois, ou seja a 14 de Agosto de 1917, foi novamente punido “pelo Comandante da Companhia com 6 dias de detenção por ser encontrado no centro de instrução e durante o intervalo apoderar-se de alguma fruta de uma nogueira pertencente a uma propriedade que começa no mesmo campo”. Foi punido ainda em 19 de Junho de 1918 “pelo Comandante do Batalhão com 10 dias de prisão disciplinar por ter faltado a uma formatura e responder menos conveniente ao Senhor Comandante da Comandante quando este o mandou calar por pretender tomar posse de uma barraca que lhe não pertencia…”. Foi punido novamente em 23 de Setembro de 1918 “pelo Senhor Comandante do Batalhão com 10 dias de detenção por faltar à revista que teria lugar em 22 (dia anterior), sem motivo justificado…”. Alguns dias depois, em 28 de Setembro do mesmo ano, voltaria a ser novamente punido pelo “Senhor Comandante do batalhão com 10 dias de detenção por faltar aos trabalhos de fortificação e instrução de 26”. Alfredo Soares sobreviveu à guerra.
Um outro soldado melgacense bastante castigado pela disciplina militar durante o tempo de guerra foi Joaquim de Egas Afonso, natural da freguesia da vila de Melgaço (à época, Santa Maria da Porta). Durante a sua permanência na frente de guerra na Flandres, recebeu várias punições por comportamento julgado não adequado em contexto militar em tempo de guerra. Assim, foi punido em 12 de Setembro de 1917 “pelo Comandante da Companhia com 6 dias de detenção, atendendo ao seu comportamento anterior por haver faltado à instrução que no dia 11 teve lugar das 13 às 17 horas…”. Novamente, em 2 de Outubro de 1917, foi punido “ pelo Comandante da Companhia com cinco dias de detenção por se ter ausentado ontem da área da companhia sem autorização”. Ainda em Outubro de 1917, mais precisamente no dia 19, foi de novo punido “pelo Comandante do Batalhão com 15 dias de prisão correcional por não ter ido ao trabalho em “Krigs Cross” na manhã de 16 (dia) por declarar estar doente, doença que não foi confirmada em revista de saúde a que foi presente…”. Contudo, os episódios de indisciplina não se ficam por aqui, recebendo novamente punição em 18 de Fevereiro de 1918 “pelo Sr. Comandante da 4ª Companhia com 2 guardas por não tratar do arrumo da sua companhia como lhe foi determinado pelo Cabo Chefe do Grupo do seu alojamento…”.
Um outro soldado melgacense que várias vezes esteve sob a alçada disciplinar foi Dinis da Silva, natural do lugar da Várzea, na freguesia de Paderne, O seu percurso durante a guerra é abundante em atos de indisciplina, frequente entre os soldados portugueses nesta guerra e respetivas punições. Foi punido em 19 de Julho de 1917 “pelo Exmo. Comandante do Batalhão com 1 (um) dia de Prisão Disciplinar por ter faltado a uma formatura…”. Foi igualmente punido em 12 de Agosto “pelo Comandante da Companhia com 8 dias de atenção por ter saído da forma sem autorização quando a companhia se dirigia para local de instrução de noite e ter recolhido ao quartel da sua companhia…”. Uma terceira punição foi-lhe aplicada em 26 de Outubro de 1917 “pelo Comandante da Companhia com 8 (oito) dias de detenção por ter sido incorreto na maneira como se dirigiu ao 1º sargento da companhia quando este o advertia por uma falta…”. Foi-lhe aplicada uma outra punição em 15 de Março de 1918 “pelo Comandante da Companhia com 10 dias de detenção porque, tendo-se ausentado ontem do alojamento da companhia, faltou à formatura que às 18 horas teve lugar afim desta companhia de entrar como reforço do sub-setor…”. Foi ainda punido em 29 de Agosto de 1918 “pelo Comandante do Batalhão com 10 dias de detenção por ter faltado aos trabalhos deste dia sem motivo justificado”. Por motivo que não aparece descortinado no seu Boletim Individual, o soldado Dinis da Silva, em 5 de Junho de 1919, seguiu da Prisão da sua Base para o Porto de Embarque de Cherbourg (França) afim de ali aguardar julgamento. Sobreviveu à guerra.
É frequente entre os soldados os episódios de desobediência aos seus superiores. Um desses casos é o do soldado António dos Reis, natural da Rua Direita, freguesia de Santa Maria da Porta (atualmente designada por freguesia da vila). Foi punido em 19 de Agosto do mesmo ano pelo Comandante da Companhia com 8 dias de detenção “porque tendo em 18 do corrente respondido à chamada para a formatura da instrução de noite, se ausentou dela sem autorização recolhendo ao seu alojamento…”. Ainda nesse ano de 1917, voltou a infringir as regras do Regulamento Disciplinar e recebeu nova punição em 19 de Dezembro por parte do Comandante da Companhia. Desta vez, foi punido com 10 dias de detenção por “ter saído da 1ª linha de trincheiras, onde prestava serviço, sem autorização e ainda porque sendo interrogado sobre quem o autorizou a vir à 2ª linha, informou falsamente citando o nome ao Comandante exposto o que se averiguou ser falso…”. António dos Reis sobreviveu à guerra.
Alberto Esteves, natural do lugar do Pomar, freguesia de Penso também sofreu a disciplina militar por desobediência. Em 27 de Outubro de 1917, foi punido pelo Comandante da Companhia com 10 dias de detenção por “ter sido nomeado para servir nas trincheiras e não se ter apresentado prontamente para esse serviço tendo sido necessário a intervenção do comandante da companhia para que desse cumprimento à ordem que nesse sentido tinha recebido…”. Sobreviveu à guerra.
A faltas de respeito aos superiores eram também mencionados nos registos individuais de alguns soldados de Melgaço. É o caso do soldado Inocêncio Augusto Carpinteiro, natural do lugar dos Barreiros, na freguesia de S. Paio. Durante a sua permanência na frente de combate, foi punido em 17 de Outubro de 1917 “pelo Comandante do Batalhão com 15 dias de prisão correcional porque aquando da sua nomeação para serviço nas trincheiras, apresentou a sua reclamação como modos pouco respeitosos”. Voltou a ser punido em 19 de Dezembro de 1917 pelo Comandante da Companhia “com 10 dias de detenção por ter vindo da 1ª linha de trincheiras onde prestava serviço sem autorização e ainda porque sendo por ele interrogado sobre quem o autorizou a vir à 2ª linha, informou falsamente citando o nome do Comandante do posto o que se averiguou não ser verdade…”. Sobreviveu à guerra.
Um outro exemplo é o do soldado Hipólito Lourenço, natural do lugar da Picota, freguesia de Santa Marinha de Rouças. Já no cenário de guerra, sabe-se que foi punido em 9 de Setembro de 1917 “com 2 dias de detenção por ser pouco cuidadoso com a limpeza do armamento que lhe está distribuído”. Viria a ser novamente punido em 16 de Janeiro de 1918 “pelo Exmo. General Comandante do C.E.P. com 20 dias de prisão correcional por na noite de 7 para 8 de Dezembro, estando de sentinela num posto de 1ª linha, foi encontrado pelo sargento de ronda sentado na banqueta e não ter tomado uma atitude correta quando aquele seu superior o advertia infringindo assim os deveres…”. Sobreviveu à guerra.
Não termino este artigo sem uma ressalva. Não se pretende fazer qualquer julgamento de caráter destes homens. Estes comportamentos são sobretudo fruto de uma rápida mas deficiente preparação dos soldados, não só taticamente mas também mentalmente. A dureza da guerra, a falta de compreensão da mesma e a postura vergonhosa do governo português em relação a estes soldados nalguns momentos tornam atos como os descritos compreensíveis, ou pelo menos que nos abstenhamos de os julgar.

sábado, 16 de novembro de 2019

A Fonte da Madalena, junto à igreja do mosteiro de Fiães (Melgaço)




Desde há vários séculos que vemos referências a nascentes de águas virtuosas junto ao mosteiro de Fiães (Melgaço), tendo mesmo existido ali umas caldas até por volta de finais do século XVII. Ainda hoje, mesmo ao lado da igreja do primitivo mosteiro, podemos contemplar uma fonte muito antiga. É conhecida como a Fonte da Madalena e foi mandada construir há quase 300 anos por um abade que tinha vindo para o mosteiro poucos anos antes.
A história da Fonte da Madalena inicia-se por volta de 1735. Nessa altura, torna-se abade do mosteiro de Fiães, Frei Félix da Cerveira, natural de Viana do Castelo. Pouco depois, o abade manda proceder a obras que facilitassem o acesso ao mosteiro, nomeadamente aplanar o monte onde se implantava, criando o terreiro que o precede e plantar as árvores que o bordejam, bem como a bonita Fonte da Madalena. Dois anos mais tarde, em 1737, conclui-se a construção desta fonte, conforme a data inscrita no espaldar da mesma, sob ordem do frei Félix da Cerveira.
Para nos contar algo sobre a história desta fonte, podemos ver uma inscrição no espaldar da fonte inspirada na máxima do livro Bíblico de Provérbios 14:27: "TIMOR DOMINI FONS VITAE / PROVER. CAP. XIV / ANNO DOMINI / M.DCCXXXVII" (MARQUES, 1990). As alas laterais possuem igualmente o friso inscrito, atualmente apenas visível na ala sul: "cujus pátria fuit opidum Vianense, qui in ingressu istius Monasterii pulchrum edificium fontis, parietesque construere fecit; monten scindere, arboresque plantare; et ita cultum reddit ingressum, qui satis antea enoormis erat" (MARQUES, 1990), cuja tradução é "o P. M. Frei Félix de Cerveira, natural de Viana, que, à entrada deste Mosteiro, mandou construir um belo fontanário, aplanar o monte e plantar árvores, assim tornando agradável o acesso que antes era difícil " (MARQUES, 1990). Numa das pedras da ala sul está também a data de 1737 inscrita, mas em numeração árabe.
Já em 1903, a Fonte da Madalena é referida por Guilherme Oliveira como tendo "excelente e frigidíssima água, com bancos formando circulo" (OLIVEIRA, 1903).
Trata-se de um chafariz em cantaria granítica, flanqueado por duas alas retilíneas, formando U aberto invertido, virado a poente, com pavimento intermédio em lajes de cantaria. No centro do U, surge o chafariz propriamente dito, com espaldar retilíneo, tendo a face principal definida por duas pilastras, de fuste liso, que sustentam friso e cornija reta do remate. A zona central possui brasão com as armas reais, com escudo "francês", contendo escudo nacional com os cinco bosantes em cruz, envolvido por bordadura de sete castelos. No terço inferior possui bica carranca, que verte para tanque semicircular, de perfil curvo, e bordo saliente. As alas laterais, mais baixas que o espaldar e percorridas por banco de cantaria, são em cantaria aparente, ritmadas por pilastras e rematadas em friso e cornija, possuindo o friso da ala sul inscrição. A ala norte encontra-se muito derruída.
Há, conforme se refere atrás, referências muito antigas a outras águas virtuosas junto ao mosteiro de Fiães tendo aqui existido em tempos umas caldas bastante concorridas. No livro “Aquilégio Medicinal” de 1726, sabemos que nesta altura, as Caldas de Fiães já estavam desativadas e cobertas de terra. Neste livro podemos ler que “Junto à cerca do Mosteiro de Santa Maria de Fiaens, da ordem de Cister, comarca de Valença do Minho, houve umas caldas de muyta virtude para queixas de nervos, e juntas, a que concorria muyta gente de várias partes, a curar-se dos achaques, que padecião.
Hoje não se usa delas, porque ha muytos annos, que se cubrirão, e taparão, ou por negligência, ou por particulares conveniencias.
Desconhece-se em que período é que estas Caldas de Fiães tiveram fama em que período é que as caldas foram desativadas.
No livro “Portugal Antigo e Moderno”, do professor Pinho Leal, no volume III, de 1874, encontramos um referência a estas caldas e ao facto de as nascentes terem sido tapadas pelas autoridades por causa de desordens na zona de banhos. Neste sentido, podemos que “A Oeste do adro, rebenta um manancial de água mineral ferruginosa, a que se atribui algumas virtudes medicinais. Consta que houve aqui uns tanques para banhos, mandados entupir por ordem da autoridade por causa das desordens, ferimentos e até mortes, de que eram causa, por quererem todos banhar-se ao mesmo tempo.”
Estas informações são mais ou menos replicadas no livro “O Minho Pittoresco” de José Augusto Vieira, de 1886, nestes termos “A oeste do convento rebenta um manancial de águas ferruginosas, não analisadas ainda e a que os povos dali atribuem virtudes medicinais, tendo havido em tempo uns tanques para banhos, que a autoridade teve de mandar fechar por causa dos conflitos a que dava lugar a concorrência. "


Informações recolhidas em:
- HENRIQUES, Francisco da Fonseca (1726) – Aquilégio Medicinal. Impresso na Oficina da Música, Lisboa.
- MARQUES, José (1990) - O Mosteiro de Fiães (Notas para a sua história). Braga: Barbosa & Xavier, Limitada.
- OLIVEIRA, Guilherme de (1903) - Uma Visita às Ruinas do Real Mosteiro de Fiães. Lisboa: Typographia da Sociedade A Editora.
- PINHO LEAL, Augusto Soares A. B. (1874) - Portugal Antigo e Moderno (Volume III). Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, Lisboa.
-VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, tomo I, Edição da livraria de António Maria Pereira- Editor, Lisboa.