quarta-feira, 25 de julho de 2012

Histórias da RODA de Melgaço no século XIX (parte I)

As Rodas eram instituições concelhias que ao tempo do século XIX acolhiam crianças que eram lá  deixadas ou abandonadas noutros locais.
As Rodas emergiram como uma resposta do poder central ao problema da falta de instituições de apoio à infância desvalida e abandonada e inscreveram-se nos objectivos duma política populacionista. Estas instituições foram dotadas com um mecanismo giratório (figura) que pretendia assegurar todo o secretismo à exposição de crianças, procurando evitar quaisquer constrangimentos que pudessem levar à perda de muitas crianças, quer pela prática do aborto ou infanticídio, quer pelo seu efectivo abandono ou enjeitamento, em locais que não permitissem recolhê-las a tempo de as salvar. Vou-vos falar de algumas histórias da Roda de Melgaço por altura do século XIX.



A Roda de Melgaço estava, em meados do século XIX, estabelecida na vila, em casa que era propriedade da câmara municipal. Em 1860, todos os 26 expostos (bebés e/ou crianças) que estavam a seu cuidado e encargo estavam a receber bom tratamento, com 4 deles ainda em período de lactação e os restantes em poder de amas de seco.
Após a fundação das Rodas, e não obstante as mesmas terem de permanecer sempre abertas e de serem proibidas quaisquer indagações sobre o condutor ou condutora das crianças (pessoa que vai deixar a criança), aquilo que efectivamente se verificou foi que as exposições se realizavam com a “cumplicidade da noite”, logo após escurecer, geralmente no período que antecedia a meia noite, embora algumas exposições se efectuassem de madrugada, mesmo “ao cantar dos galos”. Era a parte mais oculta de uma estratégia que lhes permitiria evitar os olhares indiscretos de quem gostaria de identificar os condutores ou presumir a origem familiar das crianças que iriam ser entregue à caridade pública.

Pelas descrições realizadas, os escrivães das câmaras informavam que algumas crianças expostas vinham embrulhadas “numa baeta”, “nuns trapos de baeta azul”, “nuns trapos de saragoça”, “num pedaço de serapilheira velha”, “num avental de lã”, “num pedaço de capote de soldado”, “num pano de guarda-sol velho” ou “num pedaço de hábito de terceiro de S. Francisco”.

Muitas crianças entravam directamente na instituição de acolhimento, depois de expostas no mecanismo da roda e recolhidas pelas rodeiras, após terem sido avisadas da sua presença e de fazerem girar a plataforma onde haviam sido depositadas. Nalguns casos, poderiam ser os gritos das crianças expostas a alertarem a rodeira da sua presença, como aconteceu com um menino, António Oroeste, exposto na Roda de Melgaço, em 1865, «sem reclamação ou chamamento da rodeira que atendeu aos choros da criança». Seria uma forma de procurar preservar a identidade dos condutores, a partir dos quais se poderia chegar à família das crianças expostas.

Estes procedimentos revelam que quem expunha as crianças estava preocupado com a sua sorte, até pelo facto da generalidade delas serem deixadas em locais que permitissem a sua descoberta imediata. Nalguns casos, a exposição fazia-se em locais públicos ou privados, na certeza da presença de pessoas que acolhessem essas crianças.

Assim o fez o condutor de um menino que, pelas 10 horas da noite do dia 16 de Janeiro de 1864, o “lançou” no interior da loja de José Maria Soares, da freguesia de S. Paio, do concelho de Melgaço, pondo-se imediatamente em fuga, após o dono da casa se ter apercebido da presença da criança. Um outro condutor, que expôs uma criança à porta de Maria Luisa Pereira, da freguesia de Penso, do mesmo concelho, só abandonou o local depois de ter chamado pela “patroa”, uma designação popular muito vulgarizada, quando se desconhecia o nome da dona da casa.

Estas estratégias não se justificariam quando os condutores eram estranhos ao concelho onde se expunham as crianças. Neste caso, a sua entrega poderia ser realizada pessoalmente, como o fizeram dois homens que, em 1881, ao passarem nos Montes de Fiães, no concelho de Melgaço, encontraram Maria Joaquina Durães, viúva, residente no lugar de Sobreiro, freguesia de Cristóval, que lhe apresentaram uma menina e a obrigaram a recebê-la e a ficar com ela.

Informações recolhidas em:

- PONTE, Teodoro Afonso (2004) - No limiar da honra e da pobreza - A infância desvalida e abandonada no Alto Minho (1698 - 1924). Tese de doutoramento; Universidade do Minho, Braga.

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