As Rodas emergiram
como uma resposta do poder central ao problema da falta de instituições de
apoio à infância desvalida e abandonada e inscreveram-se nos objectivos duma
política populacionista. Estas instituições foram dotadas com um mecanismo giratório
(figura) que pretendia assegurar todo o secretismo à exposição de
crianças, procurando evitar quaisquer constrangimentos que pudessem levar à
perda de muitas crianças, quer pela prática do aborto ou infanticídio, quer
pelo seu efectivo abandono ou enjeitamento, em locais que não permitissem
recolhê-las a tempo de as salvar. Vou-vos falar de algumas histórias da Roda de Melgaço por altura do século XIX.
A Roda de Melgaço estava, em meados do século XIX,
estabelecida na vila, em casa que era propriedade da câmara municipal. Em 1860,
todos os 26 expostos (bebés e/ou crianças) que estavam a seu cuidado e encargo estavam
a receber bom tratamento, com 4 deles ainda em período de lactação e os restantes
em poder de amas de seco.
Após a fundação das Rodas, e não
obstante as mesmas terem de permanecer sempre abertas e de serem proibidas
quaisquer indagações sobre o condutor ou condutora das crianças (pessoa que vai
deixar a criança), aquilo que efectivamente se verificou foi que as exposições
se realizavam com a “cumplicidade da noite”, logo após escurecer, geralmente no
período que antecedia a meia noite, embora algumas exposições se efectuassem de
madrugada, mesmo “ao cantar dos galos”.
Era a parte mais oculta de uma estratégia que lhes permitiria evitar os olhares
indiscretos de quem gostaria de identificar os condutores ou presumir a origem
familiar das crianças que iriam ser entregue à caridade pública.
Pelas descrições realizadas, os
escrivães das câmaras informavam que algumas crianças expostas vinham
embrulhadas “numa baeta”, “nuns trapos de baeta azul”, “nuns trapos de
saragoça”, “num pedaço de serapilheira velha”, “num avental de lã”, “num pedaço
de capote de soldado”, “num pano de guarda-sol velho” ou “num pedaço de hábito
de terceiro de S. Francisco”.
Muitas crianças entravam
directamente na instituição de acolhimento, depois de expostas no mecanismo da
roda e recolhidas pelas rodeiras, após terem sido avisadas da sua presença e de
fazerem girar a plataforma onde haviam sido depositadas. Nalguns casos,
poderiam ser os gritos das crianças expostas a alertarem a rodeira da sua presença,
como aconteceu com um menino, António Oroeste, exposto na Roda de Melgaço, em
1865, «sem reclamação ou chamamento da
rodeira que atendeu aos choros da criança». Seria uma forma de procurar
preservar a identidade dos condutores, a partir dos quais se poderia chegar à
família das crianças expostas.
Estes procedimentos revelam que
quem expunha as crianças estava preocupado com a sua sorte, até pelo facto da
generalidade delas serem deixadas em locais que permitissem a sua descoberta
imediata. Nalguns casos, a exposição fazia-se em locais públicos ou privados,
na certeza da presença de pessoas que acolhessem essas crianças.
Assim o fez o condutor de um
menino que, pelas 10 horas da noite do dia 16 de Janeiro de 1864, o “lançou” no
interior da loja de José Maria Soares, da freguesia de S. Paio, do concelho de
Melgaço, pondo-se imediatamente em fuga, após o dono da casa se ter apercebido
da presença da criança. Um outro condutor, que expôs uma criança à porta de
Maria Luisa Pereira, da freguesia de Penso, do mesmo concelho, só abandonou o local
depois de ter chamado pela “patroa”, uma designação popular muito vulgarizada, quando
se desconhecia o nome da dona da casa.
Estas estratégias não se
justificariam quando os condutores eram estranhos ao concelho onde se expunham
as crianças. Neste caso, a sua entrega poderia ser realizada pessoalmente, como
o fizeram dois homens que, em 1881, ao passarem nos Montes de Fiães, no
concelho de Melgaço, encontraram Maria Joaquina Durães, viúva, residente no
lugar de Sobreiro, freguesia de Cristóval, que lhe apresentaram uma menina e a obrigaram
a recebê-la e a ficar com ela.
Informações recolhidas em:
- PONTE, Teodoro Afonso (2004) - No limiar da honra e da pobreza - A infância desvalida e abandonada no Alto Minho (1698 - 1924). Tese de doutoramento; Universidade do Minho, Braga.
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