Uma das figuras históricas mais conhecidas da freguesia de S.
Paio é o chamado Tomás das Quingostas. Admirado no Alto Minho mas também na
Galiza. Idolatrado por uns e odiado por outros, a verdade é que cresci a ouvir
histórias da minha avó materna (nascida na primeira década do século XX) que ela
própria tinha ouvido de familiares mais idosos ainda em criança.
Ainda há poucas décadas, não havia certezas da
sua existência. Era uma personagem lendária. Na verdade havia uma notável falta
de estudos que comprovassem a sua existência. Nas últimas décadas, há uma série
de estudos que comprovam claramente a sua existência e a sua importância durante
a guerra civil entre absolutistas e liberais na primeira metade do século
XIX.
Alexandra Patricia Lopes Esteves, professora da
Universidade do Minho, dedica-lhe especial atenção na sua tese de doutoramento
"Entre o crime e a cadeia: violência e marginalidade no Alto Minho (1732 -
1870)" onde reconstitui o principal da sua bibliografia da qual deixarei aqui o
essencial...
Tomás das Quingostas, vulgo de Tomás Joaquim
Codeço, nasceu na aldeia de S. Paio, concelho de Melgaço, tendo sido baptizado,
em 15 de Agosto de 1808, com nome de Tomás de Aquina. Nasceu no seio de uma
família relativamente abastada de agricultores, tendo frequentado a
escola.
Esteve detido
na cadeia da Relação do Porto até à entrada das tropas comandadas por
D. Pedro naquela cidade, sendo conhecido
já na década de vinte do século XIX como bandido e membro de um bando que
atacava na região de Melgaço. Posteriormente, regressou à sua aldeia natal onde
se dedicou ao crime. Em 1834, evadiu-se das cadeias de Lamego, instalando-se
novamente no concelho de Melgaço, circulando entre este e o de Valadares, no
qual permanecia a maior parte do tempo, alternando com temporadas na Galiza,
onde se dedicava ao bandoleirismo, cometendo roubos, agressões e
assassinatos.
As primeiras alusões a Tomás das Quingostas,
que encontrámos na documentação produzida pelas autoridades administrativas,
datam de Novembro de 1834. Embora se trate de uma referência indirecta, o seu
nome surgia associado ao de Luís José Caldas, de quem se dizia ser
parceiro.
Luís José
Caldas, conhecido guerrilheiro, estava na altura preso na cadeia de Valadares. Considerando-se que aquele estabelecimento
prisional não reunia condições para albergar um preso de tão elevada
perigosidade, determinou-se a sua transferência para Valença.
Todavia, o detido foi fuzilado pela escolta
militar que o acompanhava. A morte de Luís Castro Caldas não foi bem recebida
pelas instâncias superiores, que tentaram atribuir ao provedor de Melgaço,
responsável pela sua captura, a culpa pelo sucedido.
De facto, os
constantes fuzilamentos praticados pelas
escoltas militares estavam a contribuir para a descredibilização do regime
recém-implantado, numa região que revelava fortes resistências ao liberalismo,
parecendo haver uma intenção mais teórica do que prática de demarcação “entre o
governo legítimo e o da usurpação”.
Por isso, era
necessário acabar com as execuções sumárias de presos e com as represálias que os vencedores da guerra civil estavam
a praticar sobre os vencidos.
Maria de Fátima de Sá e Melo Ferreira inclui
Luís Castro Caldas entre os perseguidos, no concelho de Melgaço, no período
compreendido entre Abril e Maio de 1834, por guerrearem contra a causa liberal.
Outros dos procurados como chefes de guerrilhas eram Caetano da Ponte, o chamado
“Vasconcelos”, Pitta Bezerra e, finalmente, Tomás das Quingostas.
O ano de 1834 foi marcado pela detenção de salteadores e guerrilheiros,
sobretudo no concelho de Melgaço, devido à acção enérgica encetada pelo provedor
daquele concelho contra o banditismo. Assim, em Dezembro de 1834, foram presos
mais dois salteadores de renome: Manuel José Rodrigues, alcunhado “o Forno”, e
Manuel António Gonçalves, conhecido como sócio número um da extinta quadrilha
liderada por Manuel Veloso e sócio número dois de Tomás das Quingostas.
Por esta altura, Quingostas vagueava com os
seus seguidores pela Galiza, onde praticavam todo o tipo de depredações. Quando
passava a Portugal, reunia-se com os seus apaniguados no lugar de São Gregório,
em Melgaço, e em diversos locais do concelho de Valadares, nomeadamente nas freguesias de Penso, São
Martinho e Paderne.
Em 1834, ainda
não estava claramente definida a veia
política desta organização criminosa, sendo encarada como mais uma quadrilha de ladrões, na linha das que já
existiam no sistema político anterior. Este raciocínio pode depreender-se das
palavras do sub-prefeito de Monção ao tentar caracterizar a sua actividade na
Galiza, afirmando que
“[…] Não he de estranhar que aquella quadrilha
pratique semelhantes attentados na Galiza quando muitos dos seus capatazes estão
no costume de hirem as villas ameaçar as uthoridades, quando sabem que elas
querem proceder contra elles, o que acontecia frequentemente nesta comarca no
tempo do Usurpador, e que já mesmo que
depois de Aclamado o Legitimo Governo teve lugar.”
Estas palavras são reveladoras de um equilíbrio
político muito frágil nos concelhos raianos do distrito de Viana do Castelo,
submetidos à pressão de criminosos, mas para o qual também contribuía uma
conjuntura que permitia a sua insubmissão."
Em Janeiro de 1835, Quingostas regressou ao
concelho de Melgaço e, em finais desse mês, levou a cabo um assalto con tra
comerciantes galegos.
Na mesma
altura, surgiu nova polémica envolvendo,
mais uma vez, o provedor de Melgaço, responsabilizado pelo fuzilamento de um
preso durante a sua transferência para a cadeia de Valença. As acusações foram
lançadas pelo corregedor de Barcelos, com base nas informações transmitidas pelo
juiz de fora daquela localidade, que não mantinha boa relação com o provedor.
Contudo, a sub-prefeitura de Monção saiu em defesa do provedor e da escolta que
acompanhava o preso, considerando que este foi vítima da troca de tiros durante
uma emboscada maquinada por Tomás das Quingostas.
Desde
cedo, o juiz de fora de Melgaço tinha
procurado alertar outros poderes para a perigosidade da quadrilha de Quingostas,
aludindo, em Maio de 1835, a “quatro mortes e que nos três dias tem ferido com
tiro três pessoas, dous dos quais em perigo de vida, e hum gravemente
ferido.”
Para
esta autoridade, a força que a quadrilha
vinha adquirindo não se devia à inércia das autoridades militares, mas antes ao
auxílio prestado pelas populações, o qual, no seu entender, era explicado pelo
medo e pelo “espírito revoltoso”.
As actividades criminosas do bando de
Quingostas, que estava sedeado na freguesia de S. Paio, concelho de Melgaço,
prosseguiam com grande violência. Entretanto, as autoridades tomaram
conhecimento de que esta quadrilha estava a aliciar as populações para a
realização de ataques contra o governo e a organizar uma guerrilha, seguindo
orientações provindas de Espanha, o que significava a união com os guerrilheiros
carlistas.
Tinham,
igualmente, a noção de que o número de
seguidores de Quingostas tinha aumentado através da inclusão de elementos
espanhóis.
Em Julho de 1835, um soldado do destacamento
militar foi esfaqueado por Tomás das Quingostas.
Nessa data, a
sua quadrilha era constituída por mais de 12 homens e movimentava-se
entre os concelhos de Melgaço e
Valadares, contando com a conivência das populações locais, às quais os bandidos
solicitavam, através de carta, dinheiro e comida.
Entretanto,
avolumavam-se os argumentos que
procuravam alicerçar a força da “gavilha” na “frouxidão das autoridades locais,
de Melgaço e Valadares e dos seus empregados.”
Comentava-se
que a circulação de Quingostas e dos
seus seguidores era facilitada pela protecção de que usufruíam por parte de
algumas autoridades, nomeadamente do administrador do concelho de Valadares,
tido como afecto ao miguelismo. Em Janeiro de 1836, o provedor do concelho de
Melgaço recorreu à expressão “um Boi só não leva o carro” para reforçar a ideia
de que, na região, era a única autoridade que se empenhava no combate às acções
terroristas de Quingostas.
Aliás, o
presidente da câmara municipal desta
localidade era João de Sousa Azevedo Sotomaior, miguelista convicto, conhecido
por dar asilo a salteadores, em particular ao “guerrilheiro Coutinho”, que
residia habitualmente na sua casa, e João de Araújo, vereador daquela
municipalidade, que fora capitão-mor, nomeado por D. Miguel. Aires da Rocha e
Manuel José Barbeitas, que também faziam parte da referida
câmara, tinham sido capitães das ordenanças, responsáveis pela perseguição aos
liberais da região.
No Verão de 1835, multiplicaram-se as
investidas de Quingostas e da sua quadrilha e as várias tentativas para
conseguir o seu desmantelamento revelavam-se infrutíferas, o que ditará uma
mudança de estratégia. Em Outubro desse ano, lançou-se um novo plano, que previa
a atribuição de um prémio pecuniário a quem o denunciasse e entregasse às
autoridades.
No mês seguinte, face ao pendor cada vez mais político assumido por esta organização,foi planeado um ataque, que envolveu alguns batalhões de guardas nacionais, do qual resultou a prisão de vários dos parceiros do guerrilheiro. Aliás, os poderes nacionais tomaram consciência da verdadeira importância desta guerrilha, quando, nesse mesmo mês, Quingostas sitiou a vila de Valadares, arrombou a cadeia e dela retirou José Luís Alves Azevedo, um preso político que tinha sido oficial do exército realista, mais propriamente ex-capitão das ordenanças da freguesia de São Miguel de Valadares.
Segundo
testemunhas, praticou este acto “dando vivas ao usurpador e cantando o Hynno Absolutista”. Neste ataque, Quingostas comandava cerca de 40 homens
bem armados. As autoridades,
nomeadamente as judiciais, mostravam-se atemorizadas com o aumento do número de
rebeldes e com a aceitação que estes gozavam em algumas
povoações.
Apesar da realização de uma batida e da captura
de alguns dos seus sequazes, nomeadamente do famigerado “Branco”, o certo é que
Quingostas continuava a monte. O apoio de que desfrutava, optou, mais uma vez,
por uma nova estratégia, que assentava na responsabilização das populações.
Assim, em Dezembro do mesmo ano, foram afixados editais em todos os concelhos da
raia, ordenando que “logo que conste que o chefe dos salteadores, ou alguns de
seus sócios he acoutado em qualquer casa, o chefe de família ficará desde logo
responsável pelo individuo que agasalhou, e será entregue à authoridade
judiciária para o julgar conforme a
lei.”
Havia agora a
tentativa de responsabilizar como cúmplice quem contactasse com o grupo. No dealbar de 1835, José Manuel
Gonçalves, professor, que tinha sido encarregado pelo administrador do concelho
de Melgaço de vigiar Quingostas, foi ferido por este em plena feira, na
freguesia de Paderne, concelho de Valadares, numa clara demonstração de poder,
sob o olhar de várias testemunhas, que nada fizeram para impedir tal atentado
nem para socorrer o ferido. Se o carácter político do bando era já uma certeza,
também o apoio dos povos das freguesias de Valadares e Melgaço se tinha tornado
uma realidade.
Por medo ou
concordância, as populações mantinham-se
silenciosas e apoiavam o grupo de rebeldes e saqueadores. Na freguesia de S.
Paio, à chegada de militares e de representantes do poder administrativo e
judicial, os populares afastavam-se, usando sinais para avisar o bando, quando
este ali se encontrava, da presença das autoridades.
Em inícios de 1836,
Quingostas foi visto a disparar contra soldados espanhóis que o impediram de
utilizar um barco furtado no rio Minho. Alguns dias depois,
realizava novo atentado, tendo mais uma vez a freguesia de Paderne como palco.
Desta vez, o alvo foi uma pequena escolta militar, destacada para manter a ordem
numa festividade daquela localidade:
“[…] Tendo
os officiais ido a uma romage que se fez no dia 16 do corrente na freguesia de
Paderne do concelho de Valladares, devertirem-se, levarão consigo huma escolta
do mesmo destacamento, e na occasião de sahir a porcição, em alguma distancia de
onde estava a dita escolta, apareceo-lhe o Monstro Thomas com dous companheiros e
atirando-lhe três tiros, começou a insultallos chamando-lhe negros e outros
vários nomes.”
Deste modo,
Quingostas e os seus companheiros alardeavam um atrevimento cada vez maior, não
se coibindo de provocar as autoridades judiciais, militares e administrativas,
nem de se exibirem em reuniões das populações, como eram as festas. Circulava com total
liberdade pelas estradas que uniam o concelho de Melgaço ao de Valadares, sendo
frequentador assíduo de uma venda, na freguesia de Penso, pertencente àquele
concelho. Contudo, sofreu um revés, quando foi capturado João Pinheiro
Albardeiro, seu amigo pessoal e membro da quadrilha que liderava. Meses mais
tarde, será a vez de Joaquim José de Sá, um desertor, natural do concelho de
Paredes de Coura, também ser preso. Apesar destas contrariedades, Quingostas
continuava a movimentar-se impunemente por algumas freguesias dos concelhos de
Melgaço e Valadares, dando-se ao luxo de arrancar os editais com mensagens
contra si, substituindo-os por outros, da sua lavra, nos quais apregoava não só
a sua invencibilidade, como a sua luta contra as autoridades locais. Um deles
apresentava o seguinte conteúdo
“[…]
Como as reais ordens são dadas por desavergonhados hé o motivo porque se rasgão
e se fossem dadas pelo governo se aceitarião benignamente e portanto o que foi
causa deste edital foi a de me roubar o quanto eu tinha em minha casa porque só
em comedeiras se podem sustentar cai nas mesmas penas que me recolher também cai
no mesmo tempo que este tirar, eu se bem o digo melhor o faço as minhas casas
são debaixo das estrelas sou firme contra os meus inimigos.”
Em
Março de 1836, as autoridades espanholas davam conta da presença de Quingostas
na Galiza.
“[…]
Por la Peroja y Caldela estan invadiendo esta Província los facciosos segun las
partes que acabo de recibir; es pues preciso que V. immediatamente tome todas
las medias convenientes para faborecer los pueblos atacados sem perder de vista
esos puntos, y avisando a lo momento a las Authoridades Portuguesas para que se
sirban tener pronta su tropa para ausiliarmos en caso necessário.”
Era
evidente a união de esforços da quadrilha miguelista e da guerrilha carlista,
comandada
por Lopez. Quingostas e os seus companheiros eram os responsáveis por um sistema
de angariação de desertores portugueses para as fileiras daquela guerrilha. O
apoio logístico prestado à guerrilha carlista por parte do bando de Quingostas
era evidente para as autoridades espanholas.
Em Junho de 1836,
quando a quadrilha de Tomás Quingostas era já rotulada de miguelista, foi preso
José Joaquim Codeceira “saltiador de reinos, ladrão de estrada, assacino, e
sócio de Quadrilha e Miguelista”, um dos responsáveis pelo aliciamento de
desertores portugueses para integrarem as forças inimigas de Isabel II, tendo
ele próprio combatido ao lado dos guerrilheiros. Esta ligação entre
apaniguados das causas miguelista e carlista tornava imperiosa a destruição da
quadrilha portuguesa e elevava a fasquia do seu grau de perigosidade. A captura
de elementos ligados ao bando de Quingostas resultava, em muitos casos, de
acções de espionagem, executadas por homens a soldo das autoridades. Todavia, a prisão
desses criminosos não implicava, necessariamente a sua punição. Muitos acabavam
inocentados e postos em liberdade, ou conseguiam evadir-se dos estabelecimentos
prisionais e vingar-se dos responsáveis pela sua detenção. O administrador do
concelho de Melgaço não se inibia de lançar suspeitas sobre a existência de
protecção aos salteadores e aos miguelistas, por parte do poder judicial, e de
apoio exterior nas evasões de criminosos. Em 11 de Junho de 1836, depois de ter
sofrido várias ameaças e farto da chacota de que era alvo, vendo a sua
autoridade ser desacreditada por indivíduos que viviam à margem da lei,
apresentou o seu pedido de demissão ao governador civil, pois, segundo as suas
palavras, “bibo bexado de ver a protecção que tem tais corifeus, e descaramento
e ouzadia com eu elles se portão.”
Quingostas escapou
por pouco à prisão, num ataque de surpresa lançado pelas autoridades, após terem
sido informadas da intenção do salteador se deslocar a uma romaria, tendo que
passar pela freguesia de Gave, situada no concelho de Valadares. A quadrilha foi
realmente surpreendida, mas o seu líder não foi apanhado.
Em finais de 1836,
eram conhecidos os encontros, que tinham lugar no concelho no Melgaço, entre
salteadores e miguelistas, sob o comando de Quingostas, que se presumia terem
como objectivo desenvolver acções de desacreditação do governo liberal, a nível
local, através de investidas contra as autoridades e contra a propriedade.
Durante esse ano, tinham circulado pelos diferentes concelhos do distrito boatos
sobre a realização de reuniões miguelistas e a existência de depósitos de
armas.
Em Outubro de 1836,
realizou-se, naquele concelho, uma reunião que juntou 18 miguelistas, na sua
maior parte oficias amnistiados, oriundos da cidade de Braga, aos quais se
juntaram, dias depois, mais 13 da mesma cidade. Segundo as guardas nacionais de
Arcos de Valdevez e Ponte da Barca, estes indivíduos incorporados na “gavilha”
de Tomás Quingostas formaram um grupo de 45 homens, que, na noite de 21 para 22
de Outubro daquele ano, passou para a Galiza. O objectivo final
seria a realização de um levantamento pró-miguelista a partir de Melgaço,
contando com a participação dos vários adeptos do miguelismo nesta
região.
Logo nos primórdios
de 1837, Quingostas atacou a casa de uma viúva rica da freguesia de Merufe,
concelho de Valadares. Seguido por mais de 20 homens, feriu com uma facada a
dona da casa e, além de dinheiro e roupa, roubou-lhe papéis importantes com a
intenção de a chantagear e, desse modo, obter mais dinheiro. Aliás, o guerrilheiro
recorria frequentemente a este estratagema para extorquir dinheiro.
Em inícios de 1836,
Quingostas foi visto a disparar contra soldados espanhóis que o impediram de
utilizar um barco furtado no rio Minho.809 Alguns dias depois,
realizava novo atentado, tendo mais uma vez a freguesia de Paderne como palco.
Desta vez, o alvo foi uma pequena escolta militar, destacada para manter a ordem
numa festividade daquela localidade:
“[…] Tendo os
officiais ido a uma romage que se fez no dia 16 do corrente na freguesia de
Paderne do concelho de Valladares, devertirem-se, levarão consigo huma escolta
do mesmo destacamento, e na occasião de sahir a porcição, em alguma distancia de
onde estava a dita escolta, apareceo-lhe o Monstro Thomas com dous companheiros e
atirando-lhe três tiros, começou a insultallos chamando-lhe negros e outros
vários nomes.”
Deste modo,
Quingostas e os seus companheiros alardeavam um atrevimento cada vez maior, não
se coibindo de provocar as autoridades judiciais, militares e administrativas,
nem de se exibirem em reuniões das populações, como eram as festas. Circulava com total
liberdade pelas estradas que uniam o concelho de Melgaço ao de Valadares, sendo
frequentador assíduo de uma venda, na freguesia de Penso, pertencente àquele
concelho. Contudo, sofreu um revés, quando foi capturado João Pinheiro
Albardeiro, seu amigo pessoal e membro da quadrilha que liderava. Meses mais
tarde, será a vez de Joaquim José de Sá, um desertor, natural do concelho de
Paredes de Coura, também ser preso. Apesar destas contrariedades, Quingostas
continuava a movimentar-se impunemente por algumas freguesias dos concelhos de
Melgaço e Valadares, dando-se ao luxo de arrancar os editais com mensagens
contra si, substituindo-os por outros, da sua lavra, nos quais apregoava não só
a sua invencibilidade, como a sua luta contra as autoridades locais. Um deles
apresentava o seguinte conteúdo
“[…]
Como as reais ordens são dadas por desavergonhados hé o motivo porque se rasgão
e se fossem dadas pelo governo se aceitarião benignamente e portanto o que foi
causa deste edital foi a de me roubar o quanto eu tinha em minha casa porque só
em comedeiras se podem sustentar cai nas mesmas penas que me recolher também cai
no mesmo tempo que este tirar, eu se bem o digo melhor o faço as minhas casas
são debaixo das estrelas sou firme contra os meus inimigos.”
Em
Março de 1836, as autoridades espanholas davam conta da presença de Quingostas
na Galiza.
“[…]
Por la Peroja y Caldela estan invadiendo esta Província los facciosos segun las
partes que acabo de recibir; es pues preciso que V. immediatamente tome todas
las medias convenientes para faborecer los pueblos atacados sem perder de vista
esos puntos, y avisando a lo momento a las Authoridades Portuguesas para que se
sirban tener pronta su tropa para ausiliarmos en caso
necessário.”
Era
evidente a união de esforços da quadrilha miguelista e da guerrilha
carlista,comandada
por Lopez. Quingostas e os seus companheiros eram os responsáveis por um sistema
de angariação de desertores portugueses para as fileiras daquela guerrilha. O
apoio logístico prestado à guerrilha carlista por parte do bando de Quingostas
era evidente para as autoridades espanholas.
Em Junho de 1836,
quando a quadrilha de Tomás Quingostas era já rotulada de miguelista, foi preso
José Joaquim Codeceira “saltiador de reinos, ladrão de estrada, assacino, e
sócio de Quadrilha e Miguelista”, um dos responsáveis pelo aliciamento de
desertores portugueses para integrarem as forças inimigas de Isabel II, tendo
ele próprio combatido ao lado dos guerrilheiros. Esta ligação entre
apaniguados das causas miguelista e carlista tornava imperiosa a destruição da
quadrilha portuguesa e elevava a fasquia do seu grau de perigosidade. A captura
de elementos ligados ao bando de Quingostas resultava, em muitos casos, de
acções de espionagem, executadas por homens a soldo das autoridades. Todavia, a prisão
desses criminosos não implicava, necessariamente a sua punição. Muitos acabavam
inocentados e postos em liberdade, ou conseguiam evadir-se dos estabelecimentos
prisionais e vingar-se dos responsáveis pela sua detenção. O administrador do
concelho de Melgaço não se inibia de lançar suspeitas sobre a existência de
protecção aos salteadores e aos miguelistas, por parte do poder judicial, e de
apoio exterior nas evasões de criminosos. Em 11 de Junho de 1836, depois de ter
sofrido várias ameaças e farto da chacota de que era alvo, vendo a sua
autoridade ser desacreditada por indivíduos que viviam à margem da lei,
apresentou o seu pedido de demissão ao governador civil, pois, segundo as suas
palavras, “bibo bexado de ver a protecção que tem tais corifeus, e descaramento
e ouzadia com eu elles se portão.
Tomás das Quingostas escapou
por pouco à prisão, num ataque de surpresa lançado pelas autoridades, após terem
sido informadas da intenção do salteador se deslocar a uma romaria, tendo que
passar pela freguesia de Gave, situada no concelho de Valadares. A quadrilha foi
realmente surpreendida, mas o seu líder não foi apanhado.
Em finais de 1836,
eram conhecidos os encontros, que tinham lugar no concelho no Melgaço, entre
salteadores e miguelistas, sob o comando de Quingostas, que se presumia terem
como objectivo desenvolver acções de desacreditação do governo liberal, a nível
local, através de investidas contra as autoridades e contra a propriedade.
Durante esse ano, tinham circulado pelos diferentes concelhos do distrito boatos
sobre a realização de reuniões miguelistas e a existência de depósitos de
armas.
Em Outubro de 1836,
realizou-se, naquele concelho, uma reunião que juntou 18 miguelistas, na sua
maior parte oficias amnistiados, oriundos da cidade de Braga, aos quais se
juntaram, dias depois, mais 13 da mesma cidade. Segundo as guardas nacionais de
Arcos de Valdevez e Ponte da Barca, estes indivíduos incorporados na “gavilha”
de Tomás Quingostas formaram um grupo de 45 homens, que, na noite de 21 para 22
de Outubro daquele ano, passou para a Galiza. O objectivo final
seria a realização de um levantamento pró-miguelista a partir de Melgaço,
contando com a participação dos vários adeptos do miguelismo nesta
região.
Logo nos primórdios
de 1837, Quingostas atacou a casa de uma viúva rica da freguesia de Merufe,
concelho de Valadares. Seguido por mais de 20 homens, feriu com uma facada a
dona da casa e, além de dinheiro e roupa, roubou-lhe papéis importantes com a
intenção de a chantagear e, desse modo, obter mais dinheiro. Aliás, o guerrilheiro
recorria frequentemente a este estratagema para extorquir dinheiro.
Em Março de 1837, uma
força militar marchou em direcção aos concelhos de Monção, Melgaço e Valadares,
com a missão não só de pôr termo aos roubos, mas também de perseguir e destruir
a quadrilha de Quingostas. Mas este conseguiu
escapulir-se para Espanha com cinco dos seus companheiros. O objectivo das
autoridades passou então a ser impedir o seu regresso a Portugal. No entanto,
esta empresa não era fácil de executar, dada a extensão da raia, a facilidade em
transpor o rio Minho e a falta de zelo e de empenho das autoridades
administrativas. O major José
Figueiredo Frazão, comandante das forças destacadas para o Alto Minho para darem
caça à quadrilha do Quingostas, denunciava precisamente esse desinteresse e as
implicações daí advenientes. Estas acusações surgiram na sequência das
picardias, que, desde 1834, impediam uma colaboração mais estreita entre o poder
militar, judicial e administrativo, e davam azo ao aparecimento de suspeitas,
intrigas e à troca de acusações entre os seus responsáveis.
A quadrilha de Tomás
Quingostas acabou por entrar numa fase de franco declínio, o cerco apertou-se
cada vez mais e vários dos seus companheiros foram presos ou fuzilados por
militares ávidos de vingança. Em Maio de 1837, foi
detido mais um dos seus parceiros, Francisco Xavier Sisneiros, natural da cidade
de Lisboa. Conhecido como o “Lisbonense”, era considerado um agente do
miguelismo no Alto Minho, tendo sido detido em Riba de Mouro, concelho de
Valadares. Pouco depois, António
Joaquim Rodrigues, conhecido como “Lourenço Correio”, foi capturado pelas forças
do Major José de Figueiredo Frazão. Na mesma altura, foi
detectada a presença de Quingostas no concelho de Melgaço, acompanhado apenas
por um desertor e três camponeses. As autoridades
planeavam a deportação da sua família, que residia no concelho de Melgaço, como
forma de o punir. Pelo menos era essa a vontade do major Frazão, que considerava
serem os membros da família os responsáveis pelo aviso da presença das
tropas.
No entanto, o
governador civil não anuiu a tal pretensão, por considerar que extravasava as
suas competências.
Apesar de a quadrilha
ser, essencialmente, uma organização masculina, o certo é em algumas ocasiões
foram feitas referências à presença de elementos femininos, nomeadamente às duas
irmãs que o acompanhavam e a duas mulheres, designadas pelas autoridades de
“amigas” de Quingostas.
A tarefa do Major
Frazão estava a ser dificultada pela escassa cooperação das autoridades
administrativas locais, particularmente dos regedores. Várias explicações podem
ser avançadas no sentido de explicar esta atitude, nomeadamente a sua baixa
instrução, o desconhecimento das suas obrigações e o receio de represálias por
parte dos salteadores ou dos seus companheiros e familiares.
O certo é que esta
sua postura tinha permitido que deambulassem livremente pelas feiras e
festividades, cometessem delitos à luz do dia e circulassem pelas localidades,
sem que fossem importunados.
A complacência das
autoridades e das populações levou à presença de forças militares, desde
Fevereiro de 1837, nos concelhos de Monção, Melgaço e Valadares, instaladas em
casas de particulares, cujos proprietários não só os abrigavam, mas também os
sustentavam. A situação arrastou-se pelo menos até Julho do mesmo
ano.
Após a
saída das tropas, Quingostas reapareceu em Melgaço.
Entretanto,
Quingostas tinha conseguido um indulto junto das autoridades espanholas, com a
condição de não sair da província de Ourense. Mas acabou por desrespeitar o
compromisso assumido e entrou em Portugal, onde os seus crimes não tinham sido
perdoados.
Em Agosto de 1837,
ficou sob custódia, à ordem do chefe político da província de Ourense, cabendo a
Portugal reclamar a sua extradição, tendo sido solicitada, para esse efeito, a
intervenção do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Contudo, os ventos
pareciam soprar a favor de Tomás das Quingostas. Em 14 de Julho de 1837,
iniciou-se a “revolta dos Marechais”, um pronunciamento militar
anti-setembrista, de inspiração cartista, encabeçada pelos duques da Terceira e
da Saldanha. Esta revolta iniciou-se em Ponte da Barca, com a sublevação dos
militares que estavam envolvidos na caça a Quingostas e seus companheiros, tendo
terminado oficialmente em Setembro de 1837, com a vitória das forças
governamentais.
Durante o período do
pronunciamento militar, as atenções deixaram de estar centradas em Quingostas, e
este, tirando partido da situação, conseguiu estabelecer contactos com o
Visconde das Antas, que lhe atribuiu um salvo-conduto, em Dezembro do mesmo
ano.
Abandonada a
clandestinidade, alguns dos seus sequazes saíram da clandestinidade, regressando
às respectivas aldeias sem serem incomodados. Tomás Quingostas tornou-se
comandante da guarda volante do Alto Minho, tendo como missão capturar soldados
desertores que fugiam para a Galiza, bem como guerrilheiros galegos, adeptos do
carlismo, e evitar roubos e furtos, cooperando na manutenção da ordem e da
tranquilidade no Alto Minho. No seu novo cargo, ia
cumprindo, a preceito, as funções de que estava incumbido. Porém, em Agosto de
1838, assassinou o presidente da câmara do Soajo, João Manuel Domingues, e em
Novembro do mesmo ano prendeu João Pires e o padre António José Alves, com a
justificação de que davam guarida a guerrilheiros espanhóis. Apesar de não se
terem confirmado essas suspeitas, a detenção foi efectuada com o pretexto de
terem na sua posse pólvora e sabão contrabandeados. Algumas das acções
levadas pelo seu “exército”, bem como a sua ligação a guerrilhas espanholas
ditaram o seu fim. Acusado de assassinato, Tomás das Quingostas foi morto em
Janeiro de 1839 junto à ponte da Alote (S. Paio) pela escolta que o transportava
para a prisão, que alegou tentativa de fuga. Caía assim aquele que chegou a ser
apelidado de “pequeno general do Alto Minho”, que foi assassino, salteador,
guerrilheiro, comandante de tropas e herói popular.
As reacções à sua
morte não se fizeram esperar. Além do já referido rapto do proprietário João
Bento Pereira Dantas, uma quadrilha comandada pelo “Beira-Alta”, primo de
Quingostas, miguelista, guerrilheiro e salteador, invadiu, em 1839, a casa de
António José Afonso da Costa, na freguesia de Merufe, concelho de Monção,
arrastou-o para fora da sua habitação e assassinou-o.
Nenhum dos
salteadores que sucederam a Quingostas conseguiu granjear a sua popularidade e o
reconhecimento junto das populações, talvez porque se tratava de homens
considerados autenticamente marginais, que recorriam à violência, ao assalto e
ao furto apenas para satisfazerem os seus interesses pessoais, sem quaisquer
motivações de natureza política."
Informações extraídas
de:
in "ESTEVES, Alexandra
Patrícia Lopes (2010) - Entre o crime e a cadeia: violência e marginalidade no
Alto Minho (1732 - 1870). Tese de Doutoramento, Universidade do Minho, Instituto
de Ciências Sociais.
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