quinta-feira, 26 de julho de 2012

MELGAÇO em tempos de anarquia (1839)

Melgaço - Vista Geral
Depois do fim da guerra civil em 1834, continuou um clima de grande instabilidade e uma certa anarquia na região do Alto MInho que se prolongou até meados da década de 1840. Esta região cujas populações são  tradiconalmente fieis aos absolutistas não aceitaram a derrota militar para os liberais e por variadas vezes se verificaram episódios de atentados à ordem pública por bandos de salteadores como o do Tomás das Quingostas, já aqui dissertado neste blogue. Este atuava entre Melgaço e a Galiza e são conhecidos variadas ocorrências de confrontos entre este e o seu bando e as autoridades. Devido à estranha cumplicidade que a população tinha com este tipo de bando, a relação que havia entre as autoridades e as populações era de muita desconfiança e pouca ou nenhuma cooperação. Quando a atuação do bando do Tomás das Quingostas e outros se tornou um caso muito sério de atentado à ordem pública e as autoridades locais se mostravam incapazes de os neutralizarem, então o comando militar da província do Minho viu-se obrigado a mobilizar para Melgaço uma unidade militar que aí ficou aquartelada. Foi decretada pelas autoridades a obrigação das populações melgacenses em contribuirem (boletas ou aboletamentos) para as despesas com os soldados em géneros ou dinheiro. Como seria de esperar, a população não recebeu bem esse novo esforço que lhe era pedido o que contribuiu para degradar ainda mais a relação que havia entre a população e as autoridades civis e militares. Daí resultaram vários conflitos relatados como aquele que se descreve aqui sumariamente.

Melgaço na viragem para o século XX

Em 1839, foi aberta uma investigação na sequência de um documento que chegou à junta de paróquia de Paderne, contendo protestos de alguns dos habitantes daquela freguesia do concelho de Melgaço, relacionadas com os cinco anos de aboletamentos contínuos que sobre eles recaíam, devido à permanência de militares na praça de Melgaço. Segundo aquele documento, reenviado ao general da província do Minho, as populações estavam obrigadas a boletos de 10 dias consecutivos de água, lenha, luz e sal. Ainda segundo a mesma queixa, em 29 de Agosto de 1839, tendo um dos habitantes falhado com a sua obrigação, por falta de meios, um oficial atacou a casa do padre Manuel Álvares, da referida freguesia, obrigando-o a fugir juntamente com a sua família. No entanto, o comandante da linha do Alto Minho apresentava uma versão diferente dos factos. Os boletos eram rotativos, afectando todas as freguesias do concelho de Melgaço, por um período de 10 dias, entre as casas mais abastadas.

Em várias situações, os aboletados mais afastados do local onde permanecia a força militar substituíam a sua obrigação pelo pagamento dum montante em dinheiro. No que respeita ao episódio de Paderne, o comandante afiançava, apoiado no depoimento dos cabos de polícia e do regedor desta freguesia, que não tinha conhecimento de tal ocorrência, concluindo que era falsa a acusação levantada contra as tropas e que o documento apresentado ao general da província do Minho tinha assinaturas forjadas. De facto, várias das pessoas implicadas declararam nos seus depoimentos, por escrito, não ter assinado tal documento, como consta do excerto seguinte:

“Declaramos que não são nossas as assignaturas que nos forão aperguntadas em hum requerimento contra tropa que ficou aquartellada no lugar de Golães, pois pello contrario se comportarão muito bem conforme hé constante. Melgaço 17 de Outubro de 1839.”

Alguns dos subscritores, desconhecendo o conteúdo da queixa, insurgiram-se contra os aboletamentos, mas não contra os militares, nem contra o seu comportamento, por isso assinaram o documento, uma vez que lhes tinha sido prometido que este seria entregue à Junta de Distrito com o propósito de serem aliviados dos aboletamentos. Concluiu-se que as acusações eram falsas, algumas das assinaturas pertenciam a pessoas que nem sequer existiam, ou que eram analfabetas, ou que tinham sido aliciadas para assinarem em branco.

Deste modo, tudo apontava para um esquema montado no sentido de criar um episódio que, descredibilizando o comportamento dos militares, poderia ditar o seu afastamento e, assim, promover o fim dos aboletamentos sobre os habitantes da freguesia, até porque os protestos não eram inéditos no concelho. Em 1838, na sequência de várias queixas apresentadas pelos habitantes do concelho de Melgaço, o governador civil determinou que não fosse exigida aos habitantes das povoações mais do que cama, água, sal, lenha e luz.

De facto, os povos sentiam-se vexados com este encargo, e disso mesmo davam conta aos administradores dos concelhos, que consideravam que esta era uma obrigação difícil de cumprir, sobretudo na época das sementeiras e colheitas, quando eram mais intensas as tarefas no campo. Para além deste encargo, as populações estavam ainda sujeitas aos abusos e excessos praticados pelos militares. As sucessivas deserções de soldados armados, que ocorriam neste período, em nada contribuíam para a segurança da região e para a dignificação da classe junto da opinião pública.


Informações recolhidas em:

- "ESTEVES, Alexandra Patrícia Lopes (2010) - Entre o crime e a cadeia: violência e marginalidade no Alto Minho (1732 - 1870). Tese de Doutoramento, Universidade do Minho, Instituto de Ciências Sociais.

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