sexta-feira, 13 de julho de 2012

O mosteiro de Santa Maria de Fiães (Melgaço)


Igreja do mosteiro com o mesmo nome, classificada como Monumento Nacional desde 1913, como em muitos outros casos as brumas do tempo escondem o seu nascimento. A ausência de dados faz com que se aplique um modelo explicativo para as suas raízes: em finais do séc. IX terá sido fundado um eremitério ou um cenóbio de tradição visigótica de S. Frutuoso e com ligações a Dume, sendo que o primeiro documento conhecido data de 1154, havendo um outro de 1157 onde se menciona a regra de S. Bento. A primeira referência explícita a Cister consta de um documento de 1194 onde consta a filiação de Fiães em Tarouca.


Ficheiro:Fiaes.jpg


É ainda no séc. XII que se constitui o seu património através de doações, legados, compras e escambos onde sobressai em 1157 a constituição do Couto por meio da doação de Afonso Pais (embora falte um documento que confirme as isenções) e o apoio de Afonso Henriques que lhe outorga em 1177 o que possui de bens em reguengos de Melgaço ao termo de Chaviães e de Cátaro ao Rio Minho, erguendo os monges uma granja em terras de Orada e aí erigindo uma capela considerada uma das jóias do românico português. Sancho I revoga a doação da herdade da Senhora de Orada em benefício dos povoadores de Melgaço mas compensa o mosteiro com terras na freguesia de Messegães (Monção).

 O primeiro século de existência será o seu período áureo e, como expressão de sua vitalidade, funda Ermelo na sua dependência, que constituirá caso único em Portugal; embora não se saiba quantos monges terá podido sustentar, a documentação existente só demonstra a decadência posterior causada quer por mudanças de mentalidade quer pelo desmantelar da organização e apropriação dos rendimentos pelos abades comendatários. Estes aparecem para evitar que as igrejas sofressem os inconvenientes de uma vacatura prolongada, assim, até à nomeação de um novo superior era nomeado um pastor temporário, mas o sistema evolui para uma situação de benefício permanente.

A crise económica, social e também espiritual do séc. XIV com o seu rol de guerras , fome e doenças afectará também os mosteiros influindo na crise de vocações, desorganização e perda de rendimentos. Ainda assim, após as guerras fernandinas e a conquista de Melgaço por João I (tendo D. Filipa ficado instalada no mosteiro enquanto decorriam as movimentações militares), em 1392 aquele ainda lhes concederá o “dízimo do pescado miúdo no rio Minho do termo de Melgaço contra Galiza com excepção das lampreias, sáveis e eiróses”.

O grande flagelo será, no entanto, a substituição do abade vitalício e eleito na comunidade pelos abades comendatários, absentistas que não conhecem os monges, não estavam a par das regras e usos, não mantinham a disciplina e não faziam cumprir devidamente o ofício divino, promovendo o relaxamento dos costumes. A eles só interessa os rendimentos do mosteiro, bens e rendas eram dissipados e consumidos, as casas não tinham monges suficientes nem eram providas do sustento necessário para as manter, é natural o desleixo na manutenção e conservação dos edifícios. A casa real protege Alcobaça, mas o resto será dissipado.

Em 1532, fruto da intervenção de D. João III, é nomeado comendatário D. João de Cós, antigo prior de Alcobaça, homem enérgico e que vai residir para Fiães na tentativa de recuperar património fundiário, reorganizar a comunidade e realizar obras urgentes.

Quando o Abade de Claraval chega a Fiães em Janeiro de 1533, verifica com agrado as obras de restauro começadas por D. João de Cós, nos tectos na sala capitular, na igreja do claustro e nos aposentos do Abade; tudo o resto eram grandiosas ruínas e uma pobreza gritante quanto aos paramentos e alfaias litúrgicas, meia dúzia de manuscritos, alguns muito belos mas antigos e obsoletos face ao avanço da imprensa e apenas o abade, quatro religiosos e 2 conversos. Condições de vida que, no entanto, não diferem substancialmente das da população em geral.

A degradação moral, sinais dos tempos de mudança e de reinvenção da espiritualidade no ocidente; a falta de piedade e o relaxamento dos costumes constituem uma nota pouco edificante em muitos conventos. Em Fiães, o caso da filha do anterior comendatário que na granja de Orada exercia a prostituição conjuntamente com 2 outras jovens, motivou a intervenção enérgica do visitador junto do Juiz de Melgaço, conseguindo expulsar as mulheres que exerciam a prostituição, inclusivamente, na abadia.

Em 1567, com a reforma da Igreja Católica, efectuada pelo Concílio de Trento acaba a sangria. Alcobaça fica como responsável pela Ordem em Portugal, institui-se a figura do Abade trienal e passa a ser exercida uma vigilância a cargo dos capítulos gerais de Alcobaça. Aos poucos foi recuperada a vivência monástica e abre-se uma época de reconstrução e recuperação dos edifícios de que Fiães acabará por beneficiar.

O Marquês de Pombal, na sua política de criação de um Estado centralizado, actua no sentido de submeter a Igreja à autoridade civil; é no âmbito desta problemática que entra o combate aos cistercienses; nomeia um geral da Ordem influenciável e que rodeia de homens da sua inteira confiança os quais promovem a reforma dos estudos monásticos e as pastorais de 1774 que, preparando os monges para futuras extinções possibilita o afastamento dos abades trienais com a desculpa de purificação do ambiente. Assim são extintos Mocambo, Tarouca, Lafões, Seiça, Maceira-Dão e Fiães entre outros, anexando as rendas a outras entidades: as de Fiães foram entregues ao Colégio da Conceição em Coimbra.

Esta primeira extinção foi fatal para muitos mosteiros entre os quais se encontrava Fiães. Apesar da restauração de 1777 levada acabo por Maria I, a qual corrige a acção contra Alcobaça, a época já não era propícia à recuperação das instituições monásticas: cerceamento à liberdade de ingresso nas ordens religiosas e tomadas de ordens, efeitos da revolução francesa, da expansão do liberalismo e hostilidades durante a revolução liberal causadas pela posição miguelista que foi adoptada pelas instituições religiosas abrem campo ao decreto de extinção das ordens religiosas em 1834, inventariando-se os bens das ordens e integrando-os na Fazenda Real. 

Embora reduzido a 2 monges, o seu património, apesar de todas as vicissitudes, parece não ter sido posto em causa: o couto, que coincide com a área da actual freguesia, e todo o seu património fundiário é desarticulado e integrado no novo esquema social e administrativo implantado no país pelo liberalismo, no caso particular, integrado no concelho de Melgaço. 

Em termos organizativos, embora não haja muita documentação, na sua época áurea por certo não deferiria muito dos seus congéneres: um abade, monges, de origem nobre, alguns letrados e sacerdotes, outros não, de túnica branca e escapulário negro com capuz, ditos monges do coro e que vivem em clausura.  

Conversos, irmãos leigos ou laicos, de origem campesina ou burguesa, iletrados na esmagadora maioria e que se dedicavam às tarefas económicas dentro e fora do mosteiro, nas granjas; eram a mão de obra, que vestia um hábito um pouco mais escuro e que vivia dentro do, mosteiro mas afastados dos monges.

Nas imediações da Abadia residia a Família: homens e mulheres que se encomendavam ao mosteiro por razões piedosas ou económicas e que em troca da alimentação, roupa e dormida renunciavam ao direito de propriedade, juravam obediência absoluta ao abade e trabalhavam para o mosteiro. O mosteiro também cuidava dos doentes e dos pobres que a ele se dirigiam em aflição e recebia visitantes em instalações próprias. 

O abade era o administrador da comunidade cuidando dos bens, controlando as granjas, velando pela conservação dos edifícios e, dentro do couto, era também a fonte donde emanava o poder terreno.

No âmbito do mosteiro era ajudado pelos monges aos quais estavam atribuídos cargos como os de prior, sacristão, tesoureiro, mestres de noviços e de conversos, enfermeiro, escriba, cantor ou porteiro. Eram encarregados de tarefas tão diversas como as do ensino, ofícios litúrgicos, música, manutenção das alfaias litúrgicas, obras, escrita, contabilidade, cuidados médicos, alimentação, da qual estava excluída a carne, acolhimento a viajantes e das relações da clausura com o exterior, etc. .

A granja cisterciense era o centro de exploração económica do domínio monástico. Ali trabalhavam e viviam conversos dirigidos pelo mestre da granja e supervisionados semanalmente pelo monge a que era atribuída essa responsabilidade. As granjas eram constituídas por um conjunto de edifícios económicos, caso de celeiros, estábulos, teares, fornos, moinhos etc., conforme o tipo de exploração e outros domésticos como sejam cozinhas, refeitórios, dormitórios e capela tudo disposto à volta de um pátio.

A vida diária dos monges alternava entre a oração (opus Dei) no coro, quatro horas diárias mais as missas, com leituras espirituais nos claustros (Lectio Divina) e o trabalho manual (Opus manuum) nas hortas, no scriptorium ou outras dependências do mosteiro, no conjunto, cerca de seis horas no Verão mais o tempo destinado ao descanso.

O silêncio a que eram obrigados só era interrompido pelo canto no coro, na sala capitular, onde se liam as regras, se tomavam as decisões importantes e se fazia a confissão púbica de culpa, e quando o prior distribuía as tarefas diárias no locutório, tarefas e urgências eram resolvidas através de uma sinaléctica própria.

Dentro do couto, terra imune por excelência em que o rei abdicava das suas prerrogativas jurisdicionais e dos direitos materiais a favor do donatário, as suas responsabilidades iam no sentido de organizar o sistema de relações com os seus súbditos e dependentes e articulá-lo    com o poder real e as instituições circundantes..

O abade designava os magistrados existentes na Casa da Audiência do mosteiro, como o Juiz, procurador, meirinho e porteiro. Os 12 homens-bons que compunham a assembleia deliberativa do couto eram nomeados pelo juiz, pelo procurador e pelo Abade, sendo que após as reformas, no séc. XVII, passou a haver representantes de Alcobaça nessa assembleia; em 1671 havia uma coima de 500réis por cada falta às reuniões. Magistrados e vereadores, encarregues da administração do couto eram também designados. Entre outras funções contam-se a milícia, aferidores, recebedores e vendedores. Portanto, uma estrutura similar aos concelhos, cuja diferença reside na origem do poder que, nos concelhos, é de cariz popular e no couto é delegado, neste caso pelo Abade.

Do antigo convento subsiste a igreja de planta longitudinal, composta por três naves e quatro tramos, cabeceira tripartida com três capelas quadrangulares, a capela-mor tem dois tramos e as laterais um só, abóboda de berço quebrado e altar de talha dourada (séc. XVIII); no absídiolo esquerdo está um retábulo de gosto maneirista (séc. XVII). Existem ainda alguns capitéis geminados provenientes do mosteiro. A capela da cabeceira do lado do evangelho está decorada com medalhões e arcaturas e na fachada e no altar-mor estão representados os três padroeiros celestes: St Maria, S. Bento e S. Bernardo. O túmulo existente na nave sul data do séc. XV, de Fernão Eanes de Lima, pai do 1º Visconde de Vila Nova de Cerveira.

De salientar que o corpo actual da Igreja data da fase de restauro já no séc. XVII, tal como a fonte da Madalena e a alameda. A Igreja manteve a cabeceira, o portal e as paredes das naves. Elevadas as naves, ganhou em grandiosidade e luz, com uma janela na fachada e no alçado norte contrastando com as frestas a sul mas perdeu a proporcionalidade e a elegância austera anteriores, ainda hoje documentada pela cabeceira, alguns capitéis avulsos e pela pureza do pórtico. Os edifícios da clausura, ainda em ruínas há cerca de 50 anos, já não existem hoje. Algumas casas em redor foram construídas sobre muros e arcos do antigo claustro e materiais foram usados para construção.

O espírito da ordem é visível na austeridade da sua arquitectura na figuração quase inexistente, na ausência de decoração do pórtico (as estátuas da fachada são do séc. XVII). O espaço interno e as arcadas, de planimetria seiscentista alteraram a luminosidade e o ambiente próprios do espaço cisterciense. Os carvalhos, que se erguem no terreiro, foram mandados plantar pelo abade Frei Félix de Cerveira em 1737.

Informações recolhidas em:
- http://rotascister.home.sapo.pt/P7.html

1 comentário: